Folha de S. Paulo


editorial

Clube da encrenca

À primeira vista, a elevação da Bolívia à condição de integrante pleno do Mercosul parece uma boa ideia. O país tem fronteiras com três membros do bloco e é o principal fornecedor de gás para suas maiores economias, Brasil e Argentina.

A conveniência dessa adesão, porém, deveria ser analisada com cuidado antes de ser votada pelos Legislativos brasileiro e paraguaio –os demais já deram seu aval.

Com um parque industrial complexo, mas fragilizado, o Brasil precisa se inserir nas cadeias globais de produção e buscar novos mercados, urgências que o Mercosul está longe de suprir. Nascido em 1991, o bloco assinou até agora apenas três acordos comerciais (com Israel, Autoridade Palestina e Egito).

No comércio entre seus sócios, os problemas do Mercosul não são menores. Enquanto a Argentina desrespeita regras internas para atuar contra os interesses brasileiros, o Uruguai e o Paraguai reclamam cada vez mais das barreiras tarifárias dos vizinhos.

Nessas duas frentes, a entrada da Bolívia –que terá poder de veto– tem mais como atrapalhar do que como ajudar. Apesar de praticar uma macroeconomia ortodoxa, Evo Morales se notabilizou por perseguir o capital estrangeiro e, fiel à cartilha chavista, costuma subordinar decisões de política externa a ideologias ultrapassadas.

No front doméstico, Morales mostra-se pouco eficaz no combate ao contrabando –os países do Mercosul terão parca competitividade nesse ambiente.

Em contrapartida, a Bolívia oferece um mercado consumidor modesto. Seu PIB (US$ 34 bilhões) corresponde a 1,5% do brasileiro e é refém do preço das commodities.

Na relação bilateral com o Brasil, o Mercosul não será garantia adicional para a importação de gás natural boliviano, cujo comércio, assim como o de petróleo, independe de blocos econômicos.

Resta o aspecto político. A Bolívia, em tese, teria de respeitar a cláusula democrática do Mercosul. Seria um freio para Morales, que se esforçou para permanecer no poder (onde está há nove anos) e controlar instituições de Estado. Vale lembrar, entretanto, que o mecanismo não impediu uma escalada autoritária na Venezuela.

Tudo somado, a confirmação da Bolívia como país-membro acrescentará dificuldades e incertezas a um bloco que pouco avança nos velhos e conhecidos problemas.


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