Folha de S. Paulo


maria alice setubal

Que plano o governo tem para a educação?

Não há o que comemorar após um ano de vigência do Plano Nacional de Educação (PNE). Imerso em um cenário de crise econômica e política, com graves impactos na educação, o Brasil cumpriu parcialmente o prazo para que municípios e Estados aprovassem seus planos de educação, que expirou em 24 de junho.

Apesar de ser uma das principais estratégias do Plano Nacional, cerca de 15% dos municípios ainda não têm seus Plano Municipais sancionados. Também não há sinais de que em 2016 o país consiga atingir outra das metas previstas no PNE, a da universalização da pré-escola para as crianças de quatro e cinco anos. Para isso, em um ano seria necessário inserir cerca de 700 mil crianças nessa etapa de ensino.

Apesar de declarações do ministro Renato Janine Ribeiro reforçando a importância do PNE, o Ministério da Educação não apresentou até agora um conjunto de medidas que induzam Estados e municípios a se comprometerem com as metas.

Ao contrário, assistimos surpresos à discussão de um plano desenvolvido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), que não dialoga nem com o MEC nem com o Plano Nacional. A falta de esclarecimento gera confusão na sociedade, enfraquece o ministério e, sobretudo, revela uma falta de sintonia no governo, que desperdiça esforços e recursos em um momento de cortes e de urgência na reversão do quadro educacional brasileiro.

Nossas desigualdades educacionais ainda são enormes, em especial quando comparamos os Estados das regiões Norte e Nordeste com o restante do país. O mesmo ocorre entre as zonas rurais e urbanas ou entre os centros e as periferias das grandes cidades.

Não se trata de um percentual residual, mas que afeta cerca de 40% de nossos estudantes que frequentam a escola pública nessas regiões. Não vamos dar o salto de qualidade sem políticas claras e alinhadas que enfrentem essa situação.

A complexidade do contexto brasileiro se agrava quando consideramos que, ao mesmo tempo em que devemos buscar superar essa situação, a educação deve responder aos desafios do século 21 expressos na necessidade de uma escola mais aberta à comunidade, às questões contemporâneas e que ofereça uma aprendizagem mais personalizada.

Os jovens buscam uma educação mais participativa, mais criativa, com autonomia, autoria e inovação.

A aspiração por um desenvolvimento sustentável para o Brasil, que incorpore uma visão sistêmica e estratégica, exige trabalhadores que possam resolver problemas de forma rápida e criativa, que saibam trabalhar em equipe.

Essa aspiração do país demanda também cidadãos que tenham acesso a conhecimentos, com capacidade de participar de debates e de exercer o controle da implementação de políticas públicas.

Não se trata de tarefa simples, requer uma mobilização dos diferentes setores da sociedade para a articulação das metas do PNE, com um plano de apoio e "empoderamento" de Estados e municípios para que alcancem as metas previstas e, ao mesmo tempo, reorganizem as escolas para que se tornem o espaço privilegiado para responder a esses desafios.

Não é preciso começar do zero ou nos valer de referências externas. Há experiências colocadas em prática por escolas e, especialmente, por redes de ensino que podem apontar caminhos para o desenho de programas, projetos e ações.

A crise educacional não será superada sem o envolvimento dos professores, principais atores dessa discussão. Não bastará um novo currículo, a inclusão de inovações tecnológicas, a expansão da educação integral e de políticas de equidade, respeito à diversidade cultural, busca de maior participação e criatividade, sem profissionais competentes e capacitados.

Esse ponto exige uma verdadeira revolução na educação por meio de uma política de valorização que inclua plano de carreira e salário e mudanças estruturais na formação inicial e continuada.
Os últimos resultados educacionais revelaram que, não só não avançamos como regredimos na qualidade da educação ofertada às nossas crianças e jovens.

Essa situação parece demonstrar com clareza que precisamos muito mais do que uma política imediatista e de cunho marqueteiro, como a criação de uma rede de escolas federais de referência, prevista no plano da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), para chamarmos o Brasil de Pátria Educadora.

MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária - Cenpec e da Fundação Tide Setubal. Foi assessora de Marina Silva, candidata à Presidência em 2014

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: