Folha de S. Paulo


editorial

Depois do foie gras

O tema não conquistou a mesma unanimidade que, na Câmara Municipal, cercou a votação do projeto que veta a produção e a comercialização do foie gras ("fígado gordo" em francês) em São Paulo.

Essa circunstância, contudo, não impediu os vereadores de aprovar, com insólita celeridade, uma proposta apresentada por Dalton Silvano (PV): ampliar de 18 para 30 as vagas existentes em cada gabinete no Legislativo paulistano.

O fato de o placar ter sido 38 a 7, com 10 abstenções, tampouco servirá para livrar os edis de críticas ainda mais duras do que as merecidas pela proibição do foie gras.

Estariam, no caso da iguaria, mobilizados pela boa intenção de proteger patos e gansos, um mandamento que decerto os fez considerar de somenos a inconstitucionalidade do ato –a municipalidade não tem competência para banir produtos legalizados no país.

Considerações dessa ordem não poderiam, naturalmente, justificar os 660 novos cargos de assessoria. Muito menos ajudariam a defender a análise a jato –não transcorreu nem uma semana entre a apresentação da proposta e sua aprovação.

Sem argumentos palatáveis, o autor do projeto buscou um esdrúxulo: "Tivemos crescimento de 1,5 milhão de pessoas na cidade de 2002 para cá. São 12 novos assessores para trabalhar para a população". O raciocínio só faria sentido se São Paulo tivesse cerca de 2,3 milhões de habitantes há 13 anos; tinha pouco mais de 10,4 milhões.

Debater nesses termos, todavia, já é atribuir à medida uma seriedade que ela não tem. Os edis, embora devessem, não estão preocupados em melhorar a qualidade de seu trabalho. Querem apenas usar os disputados recursos da cidade para contratar cabos eleitorais.

Sem dar o braço a torcer, a presidência da Câmara alega que a medida não terá impactos na massa salarial da Casa. Ainda que seja verdade, um benefício como o vale-refeição pode trazer novas despesas de R$ 5,5 milhões ao ano.

De resto, os legisladores deveriam diminuir o número de assessores e, sobretudo, a verba de gabinete: os R$ 130 mil mensais de que dispõem supera a rubrica equivalente na Câmara dos Deputados (R$ 92 mil), onde o parlamentar contrata no máximo 25 auxiliares.

No sistema de freios e contrapesos, cabe ao Executivo conter esse tipo de excesso do Legislativo. Parece ocioso, porém, esperar o veto de Fernando Haddad (PT). Patos e gansos talvez estejam agradecidos, mas um prefeito precisa saber contrariar o interesse dos vereadores –sobretudo quando estes legislam em causa própria.

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