Folha de S. Paulo


opinião

Conceição Aparecida de Mattos Segre e Mario Santoro Junior: Considerações sobre o pediatra na sala de parto

É estarrecedora a consulta pública para substituir o pediatra na sala de parto em casos de gestações em que não há sinais de problemas. Alegam que "Está evidenciado que não há necessidade de pediatra na sala de parto em cesariana quando o feto está a termo, na ausência de sofrimento fetal e na ausência de situação de risco para gestante".

Risco faz referência à proximidade ou contingência de um possível dano ou ainda probabilidade de insucesso de determinado empreendimento, em função de acontecimentos eventuais, incertos, cuja ocorrência não depende exclusivamente da vontade dos interessados. Portanto, ao risco está associada a noção de um acontecimento eventual, incerto.

Todavia, baixo risco não significa ausência de risco. O princípio "Primum non nocere" também deve ser observado pelos gestores, na medida que ao empunharem suas canetas podem estar alterando procedimentos científicos consolidados em evidências científicas inquestionáveis.

Estima-se que, no País a cada ano, de 250 mil a 300 mil crianças necessitem ajuda para iniciar e manter a respiração ao nascer e somente um profissional devidamente capacitado será capaz de realizar as manobras necessárias para uma reanimação neonatal bem sucedida.

O Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria claramente atesta que 13 recém-nascidos morreram no país por dia, entre 2005 e 2010, por condições associadas à asfixia perinatal.

Para os que defendem esse retrocesso irresponsável seria oportuno se aprofundar na pesquisa da literatura médica, onde se encontra textualmente que o parto cesárea, entre 37 e 39 semanas de gestação, mesmo sem fatores de risco antenatais para asfixia, eleva o risco de que a ventilação ao nascer seja indicada. E apenas o profissional treinado estará apto a fazer esse atendimento.

A Sociedade Brasileira de Pediatria em mais de 20 anos de luta tem-se colocado na defesa da boa assistência ao recém-nascido na sala de parto com um pediatra treinado. Sendo que as manobras de reanimação neonatal podem ser necessárias de maneira inesperada, torna-se essencial o conhecimento e a habilidade em reanimação neonatal pelos profissionais que atendem ao recém-nascido em sala de parto.

Sendo essas noções por demais conhecidas, não podemos imaginar qual a motivação para esse retrocesso na atenção ao recém-nascido. Há quem especule ser essa uma estratégia para contornar a falta de recursos materiais e humanos devidamente qualificados para atenção neonatal. Estaríamos diante do Programa Menos Médicos?

Fica nosso repúdio a esta proposta que não tem qualquer cabimento, até mesmo porque já existe uma recente portaria do Ministério da Saúde a respeito. Afinal, uma só criança que seja salva de uma asfixia neonatal consequente a uma inconsequência dessas, já terá validado todo o nosso esforço no combate a semelhante absurdo.

CONCEIÇÃO APARECIDA DE MATTOS SEGRE é integrante da Academia de Medicina de São Paulo e da Academia Brasileira de Pediatria. Foi presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo (1986-87)
MARIO SANTORO JUNIOR é integrante da Academia de Medicina de São Paulo e da Academia Brasileira de Pediatria. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (1992-94)

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