Folha de S. Paulo


Humberto Laudares: Prévias, se não democratizar os partidos por que participar?

Para reformar a política, por que os partidos não se abrem para a sociedade e se transformam em canais legítimos da representação? As prévias intrapartidárias podem contribuir para a resolução deste desafio.

Em 1905, as prévias foram adotadas nos Estados Unidos para acabar com o caciquismo político e a corrupção. Liderada pelo movimento progressista, as prévias também foram defendidas como uma forma de ampliar a democracia partidária e a participação política, bem como oxigenar o partido com novas ideias e candidatos novos.

Cento e dez anos depois, os argumentos para a adoção de prévias partidárias no Brasil parecem os mesmos do país que inspirou nossa República. Além disso, a adoção das prévias não precisa de nenhuma mudança na constituição –basta os partidos se auto-reformarem. Vários deles, na verdade, já contemplam as prévias em seus estatutos.

As prévias aumentam o poder relativo dos militantes, pois as definições sobre candidaturas a prefeito, governador ou presidente não ficarão restritas a caciques, como é hoje. Tal mudança gera benefícios imediatos. O cidadão tem incentivo para participar da vida partidária, pois ele poderá influir no processo de escolha do candidato e no processo político.

Os partidos teriam uma saudável competição interna à medida que haveria mais envolvimento dos membros. Mais gente decidindo pode reduzir a influência de financiadores de campanha e a corrupção.

As prévias podem servir como uma "chocadeira" de novas lideranças partidárias –o que é urgente no país. Cada candidato terá que defender porque eles são as melhores opções para o partido, com base em propostas concretas já no período das prévias. Quando o representante do partido for oficializado, tanto o eleitorado quanto o próprio partido já teriam uma visão mais clara (e testada) sobre a estratégia e o programa de governo.

Foi justamente o que ocorreu, por exemplo, com Barack Obama nos Estados Unidos. Tornou-se um possível candidato a Presidência após seu discurso na Convenção do Partido Democrata em 2004. A despeito do favoritismo inicial de Hillary Clinton para 2008, Obama teve a oportunidade de disputar as prévias e reverter o quadro inicial. Eleito, Obama convidou Hillary para ser Secretária de Estado.

As prévias institucionalizadas minimizam brigas internas e propiciam maior unidade dos correligionários perante um projeto comum, pois dão claridade ao processo de escolha dos candidatos. A discordância e conflito são intrínsecos à democracia, mas sem claridade de regras o consenso se torna improvável.

Na prática, as prévias instituem um processo eleitoral com duas etapas, um interno e outro externo. Isso gera custos, mas pode garantir mais competitividade eleitoral para o partido. Um estudo de pesquisadores da Universidade Dartmouth mostra que na América Latina as prévias contribuem para a seleção de candidatos com maiores chances de vitória do que outros procedimentos de escolha.

Na história recente do Brasil, a única prévia partidária ocorreu no PT entre Lula e Eduardo Suplicy em 2002. É um exemplo infeliz, pois Lula, posteriormente, alijou Suplicy do centro de decisão do partido. O personalismo foi maior do que o princípio de competição justa, defendida por Suplicy. O PSDB seria o partido que mais se beneficiaria das prévias, pois o comando está disperso entre algumas poucas lideranças.

A unidade partidária sempre racha na escolha do candidato à presidência. A proposta de adotar prévias não se restringe a um partido. Poderia ser adotada por todos, pois é uma forma de produzir instituições políticas mais inclusivas em um momento que as pessoas querem participar, mas não sabem como.

É hora dos partidos pararem de apontar o dedo somente para a reforma política e começarem a chamar a responsabilidade para si.

HUMBERTO LAUDARES, economista e cientista político, é fundador do movimento Onda Azul

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