Folha de S. Paulo


Editorial

Desvelar a pedofilia

Em um primeiro passo institucional contra a cumplicidade corporativa, o papa Francisco aprovou nesta semana a criação de um tribunal no Vaticano com a função exclusiva de julgar bispos acusados de acobertar padres envolvidos em casos de pedofilia.

Nascida por sugestão de uma comissão nomeada por Francisco –da qual participaram duas vítimas de abuso, além de religiosos e leigos–, a nova instância funcionará dentro da Congregação para a Doutrina da Fé (a antiga Inquisição). Ainda são desconhecidos detalhes sobre seu funcionamento, mas se sabe que caberá ao papa chancelar sentenças da corte.

Trata-se de mudança substancial, ao menos no papel. Até agora, bispos só podiam ser punidos diretamente pelo pontífice –o que não acontecia na prática.

Segundo levantamento do jornal "The New York Times", até o papado de Francisco nenhum bispo havia sido punido nos diversos casos de acobertamento de padres pedófilos, estes mais passíveis de punição: 850 foram excomungados por abuso sexual desde João Paulo 2º, de acordo com o Vaticano.

O objetivo da Santa Sé é implantar uma reação eficaz contra a pedofilia, problema que vem desgastando a imagem da Igreja Católica nas últimas décadas.

Há casos gritantes como o do bispo norte-americano Robert Finn: condenado a dois anos de liberdade condicional em 2012 por ter protegido um padre envolvido com abuso de menor, ele continuou à frente de sua diocese até abril, quando finalmente renunciou.

Apesar de auspiciosa, a iniciativa de Francisco tem algumas incógnitas. O Vaticano não informou quais serão as punições possíveis nem explicou quem terá o direito de denunciar bispos suspeitos.

Também existe ceticismo por parte de algumas organizações de vítimas pelo fato de a corte ser integralmente composta de membros da Igreja Católica, aumentando o risco de corporativismo.

O próprio Francisco deu sinais ambíguos. No ano passado, afastou um bispo paraguaio por defender um padre pedófilo. Por outro lado, desde março vem sendo criticado no Chile por enviar um bispo a uma paróquia do sul do país em vez de puni-lo por supostamente acobertar um sacerdote que teria abusado de adolescentes.

O tribunal só será posto de fato à prova quando julgar os diversos casos que têm-se acumulado no Vaticano. Um dos temas declarados prioritários por Francisco, o combate ao abuso de menores será também decisivo para avaliar se o seu pontificado realmente promoverá reformas há muitos esperadas na Igreja Católica.

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