Folha de S. Paulo


Ricardo Montoro e Léo Coutinho: O parlamentarismo já pegou, só falta virar lei

Nesta continental alameda de jabuticabeiras, uma árvore poderia ser toda dedicada às leis que não pegam. Simplesmente não pegam. São pensadas, estudadas, debatidas, emendadas, sancionadas. Mas a sociedade não colhe. De maduras caem ao chão e, naturalmente, se multiplicam.

Há muitos outros fenômenos que podem ser chamados de jabuticaba, porque assim como o fruto só acontecem no Brasil. Mas um deles merece atenção especial, tanto pelo momento atual quanto por ser o justo inverso da lei que não pega: aquilo que a sociedade reclama, mas não acontece porque não está na lei.

Sempre que um brasileiro é surpreendido chupando as jabuticabas metafóricas a falta de informação aparece. Nos casos citados, surge o desconhecimento da lei. Num segundo momento vem o deboche da realidade, merecido ou não. Até que um dia a vontade de mudar prevalece.

O que está nas ruas e inclusive foi traduzido em números pelo Datafolha é o esgotamento popular com o modelo político brasileiro. A reprovação do trabalho dos parlamentares é de 50%. 63% apoiam abertura de processo de impeachment da presidente da República. Dos entrevistados, 71% não têm um partido de preferência. Pela primeira vez a corrupção surge como grande preocupação nacional, empatada com a saúde. As pessoas não se sentem representadas e por isso estão insatisfeitas. É a vontade de mudar prevalecendo.

A resposta que as autoridades conseguem oferecer é o debate sobre a reforma política. Porém, o que está se discutindo é uma reforma eleitoral. Financiamento de campanha, voto distrital, coligações, reeleição, cláusula de barreira, ferramentas de marketing. Todas questões urgentes, mas é preciso ir além e debater também o sistema de governo.

Para superar a fase do desconhecimento e afastar o deboche ante a vida pública é preciso informar às pessoas sobre o que poderia ser. E os números que traduzem o pulsar das ruas apontam para o parlamentarismo. O parlamentarismo já pegou e inclusive vigora improvisado. Só falta virar lei.

Basta olhar a discussão sobre o impeachment da Presidente da República. Não há em nenhuma frente a defesa do governo. Base, oposição e sociedade discutem se há ou não meios constitucionais para substitui-lo.

Em 19 de junho de 1997 o governador André Franco Montoro escreveu nesta página que, passada a reforma política que permitiu a reeleição para cargos do Poder Executivo, abria-se espaço para o debate sobre o parlamentarismo. Hoje este espaço é ainda mais amplo e urgente.

Copiando e colando o que o Montoro escreveu, com a crise atual escancarando o descontentamento geral com o governo, "um dos pontos mais importantes nessa luta é a substituição do presidencialismo unipessoal e concentrador de poder por um sistema mais democrático e participativo, em que os rumos do governo sejam fixados com a colaboração das grandes forças representativas da nação".

Também vale repetir o que consta do manifesto e programa dos tucanos: "O PSDB defenderá a adoção do parlamentarismo. O parlamentarismo fortalece os partidos e assegura ao Legislativo participação responsável nas grandes decisões nacionais. Permite mudanças de governo sem provocar crises institucionais."

Há mais, mas a frase que encerra o parágrafo acima, contraposta ao retrato atual, é o argumento definitivo a favor do parlamentarismo, do resgate dos partidos, da representatividade do Legislativo, da institucionalidade do governo e do fortalecimento da democracia participativa.

RICARDO MONTORO, 66, economista, foi vereador e deputado estadual pelo PSDB-SP

LÉO COUTINHO, 36, jornalista, foi candidato a deputado estadual pelo PSDB-SP

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