Folha de S. Paulo


opinião

Mauricio de Sousa: Quadrinho é literatura

Comemorou-se o Dia Nacional do Livro Infantil no último sábado. A data é festejada em 18 de abril porque é o dia em que nasceu Monteiro Lobato, o autor que criou e nos deu de presente o mundo do "Sítio do Picapau Amarelo", com a boneca de pano mais espevitada que alguém poderia conhecer, a Emília.

Monteiro Lobato sabia que um leitor se cria desde a tenra infância. E, portanto, nunca mais ele abandonará seu amigo livro.

Meu caminho para também virar um contador de histórias passou por esse autor. Meus pais, poetas e sempre valorizando a leitura, começaram a me alimentar de revistas em quadrinhos pelas quais fui me alfabetizando, tanto nas letras como nas cores e nos traços.

Algum tempo depois não bastavam os quadrinhos e eu virei um leitor voraz. Monteiro Lobato, então, era um dos meus preferidos. Cheguei a ler um livro por dia de tanto que aquilo me arrebatou.

Hoje sei que esse processo continuou durante décadas para muitas crianças e ainda não mudou. O mundo vem se tornando mais visual a cada dia, principalmente pelos meios eletrônicos. E para que crianças ainda se interessem pela leitura, é preciso cativá-las com uma boa dose de visual. A linguagem dos quadrinhos tem essa mágica.

O gosto de ler sobre o papel se torna uma experiência inédita e única. Hoje, o que se imprime é mais nobre do que as leituras vindas das nuvens para uma tela digital.

Segundo estudo da Universidade de Brasília, sob o título "Retrato da Escola", "alunos que leem HQ's têm melhor desempenho escolar do que os que se atêm somente ao livro didático. A concentração é maior pois o envolvimento é maior".

Um jovem tem vários equipamentos eletrônicos funcionando ao mesmo tempo ao seu redor, como o celular, o computador, o aparelho de som e a televisão. Quando se está lendo, o máximo de interferência seria um som. Talvez nem isso.

Em encontros com meus leitores, nas bienais do livro, a toda hora escuto de um pai que ele aprendeu a ler com as minhas histórias e que agora é seu filho quem passa por esse processo. Vejo meus leitores repetirem o que também aconteceu comigo quando criança.

E, agora, diante de meus quase 80 anos, sei que é uma forma que passa pelas gerações. As histórias em quadrinhos são uma cartilha não oficial para alfabetizar milhares de crianças, criando leitores para todo o tipo de leitura.

Quando fui convidado para integrar a Academia Paulista de Letras, em 2011 –algo inédito no mundo por se tratar de um autor de quadrinhos–, percebi que a base dos autores de HQs sempre foi a literatura e que a literatura também bebe nas criações dos quadrinhos.

Hoje há adaptações de grandes obras literárias na arte das HQs que estimulam jovens ao conhecimento dos autores dessas obras.

Nesses 55 anos de publicações e mantendo um grande público cada vez mais exigente, posso garantir que –não por acaso– história em quadrinhos é o gênero que sobrevive desde as primeiras sequências desenhadas nas cavernas, no início da história da humanidade, até as mais modernas tecnologias dos dias de hoje, como uma linguagem atemporal e definitiva.

MAURICIO DE SOUSA, 79, cartunista e empresário, é o criador da "Turma da Mônica" e membro da Academia Paulista de Letras

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