Folha de S. Paulo


opinião

Diego Werneck Arguelhes e Ivar A. Hartmann: Pedido de vista é poder de veto

O pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), no julgamento sobre financiamento de campanha já passou de um ano. O relatório do projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, de setembro de 2014, já havia mostrado que essa prática é comum.

Agora, o próprio ministro dá declarações reveladoras sobre o que está por trás dessa prática. O pedido de vista é um poder unilateral de veto não previsto no nosso direito.

No Supremo, como em outros tribunais do país, os ministros podem "pedir vista" de um processo sempre que consideram necessário estudá-lo mais profundamente. É raro, porém, que uma vista respeite o prazo previsto no regimento do STF.

Os ministros cumprem o prazo de 20 dias em apenas 1 de cada 5 pedidos. Os que não cumprem o prazo duram, em média, 443 dias. Atrasos que não ocorrem por acidente.

A ação contestando aspectos da privatização das telecomunicações, por exemplo, iniciada em 1996, nunca foi julgada. Conta com três pedidos de vista que, juntos, somam mais de 14 anos. Os ministros devolvem os processos quando querem.

Não há carga de trabalho que justifique, por exemplo, a vista do ex-ministro Sepúlveda Pertence no Agravo de Instrumento nº 132.755, que durou mais de 19 anos.

Novos dados do projeto Supremo em Números indicam que a duração dos pedidos não está relacionada ao volume de processos. Tampouco encontramos relação entre a eficiência do gabinete do ministro e a duração de suas vistas.

Qual é, então, a finalidade de retardar um julgamento já iniciado? As vistas podem ser livremente usadas para controlar o momento em que um caso será decidido. Em muitos deles, isso é suficiente para garantir ao ministro que pede a vista que ele não será derrotado jamais. Um ministro sozinho prevalece contra relator, presidente e tribunal.

Questionado sobre a demora para devolver a vista do financiamento de campanha eleitoral, mesmo diante de uma maioria pública de seis votos contrários à sua posição, o ministro Gilmar Mendes não se justificou com base na complexidade do processo.

O ministro declarou que o financiamento de campanha "é uma matéria do Congresso por excelência. Alguém já imaginou o Supremo definindo qual vai ser o sistema eleitoral?", questionou. É um argumento de mérito. Não há qualquer tentativa de disfarçar o uso da vista como poder de veto individual.

Se o ministro Gilmar Mendes já tem posição clara, a questão é de voto –não de vista. Deveria apresentar seu voto perante o tribunal e aceitar uma eventual derrota.

Curiosamente, em outros casos, o próprio Gilmar Mendes concordou que esse poder de veto é um problema. No julgamento da reclamação nº 2.138, em 2007, com o placar já indicando uma maioria de seis votos, o então ministro Joaquim Barbosa pediu vista. Mendes objetou: "Incomoda tremendamente esse pedido de vista que, nesse caso, rima com perdido de vista.

"Na verdade, estamos a demorar demais ["¦] já com uma definição, porque, neste caso, o pedido de vista ocorreu quando havia seis votos."

Os ministros trocam de papéis, mas ninguém abre definitivamente mão do seu próprio poder de veto individual.

Hoje, para os ministros do Supremo, perder é opcional. Esse poder não tem base legal –ninguém desenhou o Supremo assim. A Constituição Federal prevê um tribunal colegiado, de deliberação coletiva e decisão por maioria.

A transformação da vista limitada em veto ilimitado foi obra da prática de sucessivas gerações de ministros. Precisamos de uma maioria de ministros com coragem republicana para acabar com esse poder individual de veto.

DIEGO WERNECK ARGUELHES, 33, doutor em direito pela Universidade Yale (EUA), é pesquisador e professor da FGV Direito Rio
IVAR A. HARTMANN, 30, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), é professor da FGV Direito Rio e coordenador do projeto Supremo em Números

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