Folha de S. Paulo


Editorial: Genes da discórdia

Representa algum avanço a aprovação pelo Senado do texto básico de um novo marco legal da biodiversidade para regular a exploração econômica de recursos derivados da fauna e da flora brasileira. Ainda restam três destaques por votar, após o que o texto voltará à Câmara para decisão final.

Permanece a oportunidade, portanto, de aperfeiçoar o diploma. Mas não será desta vez, tudo indica, que o contencioso se resolverá.

O debate sobre quem pode ter acesso a tais recursos genéticos e sobre o justo princípio de repartição de benefícios deles oriundos, até aqui, produziu mais burocracia do que efetiva proteção de direitos.

Com a paranoia disseminada da biopirataria, medida provisória de 2000 criou tantas regras e obstáculos que seu principal resultado foi desestimular a investigação científica e empresarial para aproveitamento da biodiversidade.

Exigia-se autorização prévia das pesquisas pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), do Ministério do Meio Ambiente. A demora era da ordem de 18 meses. Na lei em exame, o requisito foi substituído por um cadastramento voluntário. É o principal avanço.

O texto fixa como critério da divisão de benefícios com povos indígenas e comunidades locais o pagamento de 1% da receita líquida obtida com produtos desenvolvidos a partir de seu conhecimento tradicional. Admite, porém, que em certas situações o percentual seja reduzido a até um décimo.

Tal provisão e vários outros pontos da legislação têm forte oposição de defensores de populações tradicionais. Há quem diga que a lei, se aprovada, entrará em conflito com a Convenção da Diversidade Biológica. Não é improvável que venha a ser questionada na Justiça, prolongando a insegurança.

Boa parte do impasse deriva da pretensão de regular com minúcia um campo de enorme complexidade e pouco desenvolvido. De plantas a animais, de fungos a bactérias, a diversidade de organismos com potencial econômico é gigantesca; o mesmo se pode dizer dos interessados –empresas nacionais e estrangeiras, povos indígenas, ribeirinhos, agricultores...

Mais racional seria fixar em lei os princípios e um regulamento mínimo, delegando a um órgão colegiado como o CGen a deliberação ágil sobre recursos dos que se considerarem prejudicados em casos particulares. Mas, para tanto, seria preciso livrar o conselho de suas várias atribuições burocráticas e cartoriais, coisa difícil de ocorrer na Câmara dos Deputados.


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