Folha de S. Paulo


Editorial: Ciência em revista

Sete meses depois de realizada, a 3ª Conferência Internacional de Engenharia Civil e Arquitetura, organizada pela Unicamp, ganhou o noticiário –mas não pela influência científica que possam ter exercido os artigos ali apresentados.

Como mostrou reportagem desta Folha, ao menos 30 pesquisadores brasileiros "turbinaram" indevidamente seus currículos com os trabalhos expostos no encontro.

Em vez de reuni-los como anais de congresso, como seria o procedimento padrão, a editora chinesa IACSIT (International Association of Computer Science and Information Technology) os publicou como artigos em uma de suas revistas científicas. Com a manobra, atribuiu às pesquisas um status mais elevado no mercado acadêmico.

Parceira na realização do evento, a IACSIT integra uma lista dos chamados periódicos predatórios, publicações cujo principal fator para a seleção de artigos é o pagamento de uma taxa pelos autores.

Nas revistas conceituadas, os trabalhos passam por um rigoroso julgamento pelos pares ("peer review"). Essa análise não está livre de falhas, mas, sendo feita de forma anônima por pesquisadores de notória competência, busca garantir que a rejeição ou a aprovação do artigo se baseie apenas no mérito.

A presença das publicações predatórias na rotina universitária brasileira está longe de circunscrever-se a esse caso isolado.

Pelo menos 201 desses periódicos integram o Qualis, base da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, órgão do Ministério da Educação) que classifica o impacto de cerca de 30 mil revistas científicas.

Além de orientar pesquisadores na escolha de publicações para seus trabalhos, a classificação pesa na avaliação dos cursos de pós-graduação e no julgamento de concursos e de bolsas para pesquisa.

O fato de o Qualis listar revistas desprestigiadas e praticamente desconsideradas pela comunidade científica mundial mostra mais do que a vulnerabilidade da avaliação realizada pela Capes.

Evidencia sobretudo a expansão deletéria de padrões inferiores de comunicação acadêmica, com óbvio prejuízo para a produção científica nacional.

Enfrentar essas questões vai além de uma necessária revisão na classificação brasileira de periódicos. Trata-se de debater os impactos de uma política que nos últimos anos privilegiou a quantidade em detrimento da qualidade.


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