Folha de S. Paulo


Caio Farah Rodriguez: Novidades institucionais da Lava Jato

A Operação Lava Jato, deflagrada em março do ano passado, traz três grandes novidades que precisam ser reconhecidas. Todas sugerem esperança e cuidado.

A primeira é a fragmentação dos centros de poder do aparato estatal com competência sobre o assunto. A operação expõe conflitos, sobreposições e desconfianças no Executivo, no Legislativo, no Judiciário e, é claro, no Ministério Público.

"Já conversei com o governo", diz o acusado acuado. Com qual governo? Com qual parte dele? Mesmo que pudesse articular uma solução com "o" governo, isso nada significaria, pois o governo encontra-se desprovido de unidade. Há sempre o risco de algum centro de interesse escapar, real atualidade do mecanismo de freios e contrapesos.

A segunda grande novidade é que uma análise realista das implicações da Operação Lava Jato não poderá desconsiderar a dimensão da sociedade civil, incluindo setores organizados (como a mídia e as ONGs) e nós, o povo. Talvez, esse tenha sido um ganho de natureza prática e cognitiva das chamadas jornadas de junho.

Assim, qualquer "acordão" entre o Estado e os acusados, mesmo que fosse viável, teria que responder ao controle público e popular. Exercido como? De todas as formas legais, inclusive com protestos nas ruas, mas também pela exigência de motivação e publicidade do conteúdo do "acordão", via ações civis públicas e, quem sabe, ações populares.

A terceira grande novidade é que a eventual confirmação das condutas examinadas na operação revela problema estrutural e resulta em consequências sociais e econômicas que precisarão ser enfrentadas.
O elemento do escândalo de efeito sistêmico e mais devastador é, aparentemente, um sofisticado mecanismo oficial, porém ilegal, de financiamento partidário. Fundos de estatais fluiriam a empresas privadas e dali, em parte, se transformariam em doações empresariais privadas a partidos, feitas com recibo e tudo. Quem precisa de caixa dois?

Combine-se a esse mecanismo uma fonte de financiamento central (bancos públicos e fundos de pensão de estatais), mercados concentrados, empresas alavancadas em dívidas, com cláusulas de vencimento antecipado (por falta de pagamento ou descumprimento de compromissos anticorrupção) e rescisão cruzada.

Surge o real tamanho do problema. Desemprego, interrupção de investimentos e obras, contaminação entre setores. Não sobra política, nem economia para contar história. Sem mencionar recessão, crise energética ou hídrica.

O indispensável aprendizado –especialmente de nossas elites burocráticas e empresariais– a respeitar regras implica a ruína do país?

É possível, por exemplo, defender o princípio da preservação da empresa sem fazê-lo necessariamente no interesse de seus atuais controladores? Um simples "resgate" das empresas acusadas, com mais crédito público, nos moldes conhecidos, não teria legitimidade política nem, provavelmente, seria eficaz, até porque, desta vez, o aparato estatal também faria parte do jogo. Não há alternativas?

Há, sim, oportunidades ocultas sob o horizonte da crise, do ponto de vista da sociedade, que nosso justificável ceticismo não deve nos impedir de descobrir.

O Estado brasileiro dispõe de ativos, criados pela crise, que ainda não foram reconhecidos. Para enxergá-los e fazermos algo de bom com eles, porém, precisaremos de muita imaginação institucional.

CAIO FARAH RODRIGUEZ, 41, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e doutor pela USP, é advogado em São Paulo e professor-fundador da FGV Direito Rio

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