Folha de S. Paulo


Rubens de Almeida e Mario Sérgio Pini: O preço da infraestrutura brasileira

O saudoso jornalista Odon Pereira, ex-secretario de redação nesta Folha e duas vezes vereador em São Paulo, já falecido, há quase duas décadas comentava: "se uma obra é considerada essencial, ninguém verifica quanto o governo paga por ela". E prosseguia, com picardia: "se alguém se propuser a fechar a camada de ozônio, sustentará vários dos próximos governantes."

Muitos anos depois dessa profecia, a impressão de que as obras públicas sempre abrigam grandes margens de preços –e de que elas continuam a bancar projetos políticos e de poder– continua a mesma.

O avanço dos mecanismos sociais de controle e o melhor acesso a documentos e referências por parte da imprensa sugerem, porém, um olhar mais cuidadoso sobre os preços das obras de infraestrutura.

O fato é que ainda há falhas nos processos técnicos de estruturação de preços para as concorrências públicas que abrem brechas à corrupção.

A imprecisão nos levantamentos de custos é tamanha que na ânsia de buscarem margens suficientes para evitar qualquer insolvência, as empresas admitem que seus clientes incorporem "remunerações extraordinárias" que oneram os empreendimentos, enganam a sociedade e nada têm a ver com as obras a serem executadas.

Contribui para essa insegurança a perda coletiva da consciência técnica de que uma obra de construção depende de um projeto detalhado para ser orçada. E que há variáveis de custo que vão além do objeto a ser construído, como os vinculados às dificuldade na preparação do canteiro, remoção de interferências, desapropriações e muito mais.

A tradição técnica dos orçamentistas brasileiros também promove inconsistências com a realidade. Em geral considera-se que o preço de uma obra é resultado da soma dos custos dos vários serviços necessários à sua execução, função de seus preços unitários básicos (materiais e mão de obra) multiplicados pelos quantitativos daquele projeto.

Tais composições de custo, inclusive aquelas que estão sendo neste momento modernizadas pela Caixa Econômica na revisão do Sinapi (Sistema Nacional de Preços e Índices), simplesmente desconsideram questões que impactam diretamente o preço final dos serviços. Por exemplo o número de dias úteis dos meses, paralisações por razões climáticas, indisponibilidade de equipamentos ou mão de obra, entre outros.

Poucos profissionais têm consciência ou aplicam essas influências na apuração e acompanhamento dos custos. Em alguns casos, a simples mudança dos prazos de execução ou até da época do ano em que são realizados os serviços, acarreta acréscimos (ou reduções) de milhões de reais que simplesmente não são considerados nos orçamentos.

Mesmo que fossem superadas as deformações dos processos de contratações das obras públicas, empreiteiros e prestadores de serviços de construção precisam melhorar, e muito, a sua capacidade de prever seus verdadeiros custos nas obras.

Elaborar orçamentos sem um projeto executivo e sem desenhar um plano de ataque das obras, distribuindo no tempo os serviços a serem executados e as providências administrativas e contratuais, é uma temeridade que nenhum técnico ou empresa de Engenharia deveria aceitar.

Se isso não mudar, o setor da construção continuará encabeçando a lista das desconfianças públicas sobre a sua própria idoneidade. Impactando, como vemos agora, o futuro das necessárias obras da infraestrutura nacional.

RUBENS DE ALMEIDA, 55, é engenheiro e jornalista
MARIO SÉRGIO PINI, 63, é arquiteto e especialistas em índices e custos de construção

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