Folha de S. Paulo


Márcio Fernando Elias Rosa: O Ministério Público e a crise política

Tão logo o Supremo Tribunal Federal deferiu requerimentos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para apuração dos fatos decorrentes da Operação Lava Jato, o discurso da contenção da atuação do Ministério Público ganhou novos contornos. Não é a primeira vez e, a julgar pela constância e intensidade da crise, não será a última. Nada mais previsível.

Há menos de dois anos, no bojo dos protestos de 2013, parte da população foi às ruas e postulou ao Parlamento a rejeição da PEC 37/2011, aquela que queria impedir investigações do Ministério Público, como as que estão agora no centro do noticiário. O Brasil não precisou esperar décadas para desnudar o que já era sabido: a proposta tinha o endereço da impunidade para os detentores dos poderes político e econômico.

Impensável supor que pretendam de novo coactar o poder investigatório. A correção técnica do trabalho de Rodrigo Janot impede isso.

Ao requerer a instauração de inquéritos, promover o arquivamento de investigações já realizadas e assumir publicamente que o conjunto é meramente indiciário, o procurador-geral da República inibe prejulgamentos ou a responsabilização sem o devido processo legal.

Fundado no poder investigatório, o Ministério Público conclui e demanda novas investigações, propondo ao Judiciário que avalie e julgue na forma e tempo certos. O Supremo Tribunal Federal atua como instância segura para tanto.

As tentativas de intimidação têm algo em comum: miram a conservação de nichos de irresponsabilidade no Brasil, mas os discursos de agora sugerem que a via poderá ser outra, como já foi diversa no passado. Já se tentou a mordaça, a imposição de multas, reformas processuais e aquela proposta de emenda constitucional de 2011.

Agora, e nisso está a previsibilidade, a intimidação virá por tentativas de violação das autonomias da instituição e das prerrogativas de seus membros e até pela forma de investidura das suas chefias. O apoio, porque é tartufo, dará lugar a tentativas de desqualificar a atuação e a posturas desafiadoras do respeito à instituição.

Na linha dos discursos que têm vindo a público, o Brasil terá mais uma ocasião para o (re)encontro do Ministério Público com a sociedade civil, ampliando o sadio controle externo sobre o seu trabalho. Não faltarão serenidade, transparência na ação e o emprego da técnica jurídica, tal como o procurador-geral Rodrigo Janot tem se conduzido.

Se, dois anos atrás, o conceito do poder investigatório era defendido, agora a defesa será dos efeitos do exercício dessa atribuição.

Ao apostar na via institucional (única legítima) para julgar, sem a espetacularização do fato e das pessoas, o Ministério Público oferece exemplo de ação coerente e que busca o fortalecimento das instituições –mais uma ocasião para o debate sobre a decantada reforma política, dos modos de relacionamento do Estado com o poder econômico e das contratações públicas.

A fonte inesgotável dos fatos que agora são investigados radica nesses temas e é da hesitação em enfrentá-los que decorre a instabilidade política. A crença é no funcionamento dos Poderes e das instituições e na capacidade de todos de nos conduzirmos a uma cena política melhor.

O Ministério Público –e nisso não está sozinho– defende a pauta propositiva proclamada na Constituição para a concretização dos direitos sociais e individuais; pauta que, fundada no respeito ao Estado brasileiro, mira a utópica convergência e tem, como premissa única, a defesa do regime democrático. Conserva e mantém respeito aos Poderes, às instituições e às pessoas, mas faz jus e exige respeito.

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA, 52, é procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo

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