Folha de S. Paulo


João Augusto de Castro Neves, Oliver Stuenkel e Matias Spektor: O Brasil na Venezuela

Está instalada a batalha pelas eleições parlamentares de novembro próximo na Venezuela. O presidente Nicolás Maduro está em vantagem. Com prisões e suspensão de direitos ao arrepio do jogo democrático, ele encurrala a oposição. Conta para isso com forças de segurança e coletivos paramilitares.

A oposição encontra-se dividida. Uns querem derrotar o chavismo nas urnas. Outros, defendem sua derrubada na marra. A economia colapsou, a desigualdade aumentou, e a violência explodiu. Maduro é questionado até entre aliados.

Nos próximos meses, o risco de instabilidade é grande, e o governo brasileiro vê-se forçado a reagir.

Primeiro, porque empresas brasileiras estão envolvidas com contratos da ordem de US$ 20 bilhões. As dívidas venezuelanas com exportadores e empreiteiras brasileiros já passam dos US$ 6 bilhões.

Segundo, porque a crise põe em xeque a aposta brasileira de uma América do Sul unida no compromisso com a democracia.

Terceiro, porque a correlação de forças venezuelanas virou objeto da competição político-partidária em Brasília. Na semana que passou, o PT saiu em defesa de Maduro, enquanto o PSDB lhe denunciou o talho autoritário. Quando o PMDB entrou na história, o assunto agitou o Congresso Nacional.

Dilma ainda ensaia sua resposta definitiva. Se fizer vista grossa ou defender atos de Maduro só por ele ser de esquerda, o governo brasileiro não ajudará causa progressista, mas dará corda a quem pretende asfixiar a experiência democrática.

É crucial que a política externa brasileira evite a armadilha do embate ideológico. Nossa prioridade é clara: ajudar a Venezuela a celebrar eleições limpas em novembro.

Sem os auspícios de um grupo de apoio de terceiros países, a radicalização que temos visto poderá descambar numa eleição suja.

Há bons precedentes. Em 2003, durante crise análoga, Lula liderou um Grupo de Amigos da Venezuela. Chamou Cuba para garantir o aceite da esquerda venezuelana. Chamou os EUA para obter anuência da oposição. Todos achavam aquilo improvável, mas deu certo. É hora de imaginar algo similar.

Nos próximos dias, o chanceler Mauro Vieira irá a Caracas com seus colegas equatoriano e colombiano, para tentar um diálogo com as partes. A iniciativa é valiosa. Porém, sozinha, tende a fracassar por falta de força. Faz-se necessário um movimento mais amplo de apoio internacional às eleições venezuelanas.

Enquanto o chanceler opera em Caracas e constrói pontes entre os parlamentares petistas, tucanos e pemedebistas que agora investem no assunto, o Planalto deveria enviar emissários pessoais da presidente Dilma para praças-chave.

O assessor Marco Aurélio Garcia viajaria para Havana. O ministro da Defesa Jaques Wagner visitaria Washington. O vice-presidente Michel Temer iria ao Vaticano. Dilma enviaria um representante para consultas com o Brics sobre o futuro das finanças venezuelanas. China e Rússia são grandes parceiros do país.

A mobilização buscaria criar consenso a respeito da necessidade desses países falarem com uma só voz nos próximos nove meses.

Não se trata de violar a soberania venezuelana, e nenhum ator venezuelano obterá tudo o que quer, claro, para não alimentar a polarização. Se o governo brasileiro quiser, terá condições de liderar uma alternativa aceitável para todos.

JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES, 38, é diretor para a América Latina da consultoria Eurasia Group
OLIVER STUENKEL, 32, é professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas - FGV
MATIAS SPEKTOR, 37, é professor de Relações Internacionais da FGV e colunista da Folha

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