Folha de S. Paulo


Editorial: Como plantar água

O governo do Estado de São Paulo deixa escapar uma boa oportunidade de trocar a moldura com que enquadra a questão do abastecimento de água na região metropolitana da capital paulista. Mergulhado na crise e no curto prazo, perde de vista as providências de longo alcance que deveria tomar.

Os mananciais não dependem só de chuvas, assim como a produção de água para distribuir à população não depende apenas de obras. Conservar o recurso é tão ou mais importante que ser capaz de levar o líquido de um subsistema para outro, como na interligação da represa Billings com o Alto Tietê e deste com o Cantareira.

Não se trata somente de diminuir o nível de perdas, que se acha em exorbitantes 30% na Grande São Paulo e 34% no Estado (a média nacional é ainda maior, 37%).

Uma verdadeira "mudança de paradigma", como a sinalizada pelo secretário estadual de Recursos Hídricos, Benedito Braga, em artigo publicado nesta Folha, deveria incluir no topo da agenda também a produção natural de água.

A chuva pode infiltrar-se no solo e alimentar o lençol freático ou pode escorrer pela superfície, causando erosão e assoreamento de rios e represas. A predominância do primeiro resultado em detrimento do segundo, indesejável, depende em grande medida da presença de florestas na área de captação do sistema de abastecimento.

Estima-se que 1 km2 de matas produza 10 mil litros de água por ano em regiões com média anual de 1.200 mm de precipitação (no Cantareira, mais de 1.500 mm/ano).

A bacia mais importante da região metropolitana não se encontra em bom estado no que respeita a desmatamento. Apenas 34% dos 2.280 km2 do Cantareira contam com cobertura de mata atlântica (o restante são áreas urbanas, pastagens em geral degradadas e plantações, inclusive 11% de reflorestamento com eucalipto e pinus).

Pior ainda é a situação dos dois principais reservatórios, os interligados Jaguari e Jacareí, que fornecem dois terços da vazão do sistema. Na sub-bacia correspondente, a cobertura florestal cai para 26,9%.

Para complicar as coisas, nem mesmo se respeitam as áreas de preservação permanente, que por lei deveriam estar florestadas. Cerca de 60% delas sofreram desmatamento na área do Cantareira.

Reportagem desta terça-feira (24) na Folha mostrou que as iniciativas mais importantes de recomposição de mata atlântica na região mal chegarão, se todas derem certo, a 10% dos 34 milhões de mudas de espécies nativas que precisariam ser plantadas.

É muito pouco. Cabe ao governo de Geraldo Alckmin (PSDB) –se de fato estiver empenhado em promover a segurança hídrica no longo prazo, e não só em recuperar o quanto antes a popularidade abalroada– planejar e executar um programa muito mais ambicioso de restauração florestal.


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