Folha de S. Paulo


Editorial: Omissão criminosa

O jogo de azar no qual o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e a presidente Dilma Rousseff (PT) lançaram a sorte dos cidadãos e da economia de São Paulo e do Brasil encerra-se por estes dias em que se tornou notório que o milagre dos céus não compensará anos de inépcia, negligência e demagogia.

Embora seja improvável, até pode ser que, nas próximas semanas, venham chuvas torrenciais capazes de melhorar o nível dos reservatórios. Não importa. Fiar-se no imponderável é desgoverno.

A falta de água revela não apenas os solos esturricados das represas, mas também uma administração pública decrépita, ineficaz, imprevidente e autoritária.

A situação de risco não se produziu agora ou em janeiro passado, quando as reservas já baixavam a patamares alarmantes. O descaso de anos foi agravado por novos equívocos e por desfaçatez exagerada até para períodos eleitorais.

No caso federal, o abuso começou em 2012. A presidente baixou por decreto um programa que, ao fim e ao cabo, procurava reduzir o preço da eletricidade –o que, em condições normais, seria desejável.

Decidido sem consulta dos envolvidos no setor, entretanto, o projeto falhou. Foi necessário subsidiar o preço da energia de modo a manter a promessa trombeteada.

Assim, enquanto secavam os reservatórios, o custo da eletricidade diminuía, resultando num estímulo governamental ao consumo de um produto que escasseava.

Trata-se de um erro rudimentar de economia em meio a outras deficiências, desde a não entrega de inúmeras usinas até o ridículo de não conseguir ligar a fiação aos parques eólicos do Nordeste.

No primeiro mandato, o governo Dilma fez mais dívida para bancar o populismo na conta de luz. Tudo para favorecer seu grupo partidário, numa apropriação politicamente indébita de recursos públicos.

De modo análogo, Alckmin tampouco se deparou com uma novidade. Há muito tempo relatórios das mais variadas fontes, entre as quais a própria Sabesp, clamavam pela ampliação da capacidade de reservação na Grande São Paulo.

No ano passado em particular, o governador tergiversou e evitou reconhecer a escassez de água. Deixou de reajustar a tarifa. De olho nas urnas, ludibriou a população afirmando que o abastecimento estava garantido. Postergou medidas que poderiam ter feito deste verão uma estação menos aflitiva.

Alckmin, enfim, reelegeu-se ao custo do esbulho das represas e da segurança hídrica dos paulistas.

Ambos os governos são prepotentes ao privar os cidadãos de informações não só relevantes para o debate público, mas essenciais para o planejamento da vida cotidiana e dos negócios. Criaram com isso mais incerteza, prejudicando as expectativas econômicas.

Durante quase todo o ano passado, por exemplo, a administração paulista não admitiu que racionava água por meio da redução de pressão nos canos. Ainda hoje não há informação organizada que relacione escassez ao risco de desabastecimento, falha similar à da gestão federal no caso da energia.

Ambos os governos agem como se tivessem o direito de manter em sigilo dados de interesse público, como se não fosse o público que tivesse o direito de conhecer esses dados. Isso nada mais é que uma maneira de privatizar o Estado.

Como se não bastasse, a administração pública é ultrapassada, sem compromisso com a produtividade e planos de longo prazo. Prefere-se em geral uma grande obra, sempre atrasada, ao trabalho paciente e meticuloso de reduzir desperdícios, descaso notório pela carência de indicadores de eficiência de políticas públicas.

Há décadas estudiosos apontam a necessidade de medidas ambientais preventivas, de redução de perdas e de punição de exageros. Em vão. Os governos tucanos, há duas décadas no poder estadual, e petistas, há 12 anos na Presidência, não podem atribuir a ninguém a herança maldita de sua própria incúria.

É possível argumentar que, a partir de certo ponto, investimentos necessários para garantir água e eletricidade mesmo em casos de secas extraordinárias tornam-se injustificavelmente caros.

Contudo, quando se aproximam os limites de segurança aceitos e definidos de modo transparente, deve ser pronta a reação das autoridades –adoção de medidas preventivas imediatas e paulatinamente mais severas a fim de suavizar a crise e estender a duração dos estoques do bem público ameaçado.

Em vez disso, as políticas de Dilma Rousseff e Geraldo Alckmin tornaram-se uma ameaça, atitude ainda mais inaceitável por ser pautada pelo interesse privado de manter-se no poder. Ainda terão de prestar contas disso –talvez não apenas no tribunal das urnas.


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