Folha de S. Paulo


Rubens Villela, Fausto de Campos e Maria Emilia Serra: Semeando nuvens, coletando chuvas

 "Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo."
José Saramago
 
A crise de água em São Paulo requer um conjunto de providências técnicas e de políticas públicas. Entre elas, realizar experimentos para determinar a efetividade da "Semeadura de Nuvens" (cloud seeding) com gelo seco.

Este conceito surgiu em 13 de novembro de 1946 quando, aos 40 anos de idade, Vincent Schaefer, químico, meteorologista e pesquisador da General Electric, despejou gelo seco sobre nuvens na costa leste dos Estados Unidos, com objetivo de fazer chover e funcionou!  

Na década de 1960, em São Paulo, foram realizadas experiências pelo cientista Janot Pacheco e pela FAB. Com grande habilidade dos operadores em terra, a pluma de vapores de iodeto de prata foi ingerida pela nuvem cumulus que, de repente, em caráter visivelmente artificial, sofreu súbito crescimento e precipitou, após produzir estranhos e anômalos "mini-cumulus nimbus".

Na década de 1980, o piloto de avião Otto Gadelha, com 40 anos de experiência na Amazônia e Nordeste, "bombardeou" nuvens em Fortaleza com duas toneladas de gelo seco e foi preciso "fechar" o aeroporto da cidade em função do volume de água e redução da visibilidade.

Este processo, repetido por ele em muitas outras ocasiões, é muito simples: procurar nuvens mais altas (altus cumulus), entrar na nuvem, reduzir a potência do avião e despejar gelo seco. E abrir o guarda-chuva!

A "semeadura de nuvens" emprega técnicas que apresentam, há muitos anos, índices de aumento da precipitação da ordem de 10 a 30%. Nos Emirados Árabes Unidos, um projeto conduzido pelas autoridades meteorológicas, iniciado em julho de 2010, tem sido bem sucedido na criação de tempestades de chuva nos desertos de Dubai e Abu Dhabi.

Vários outros países, como Austrália, China, Tailândia, Indonésia, Índia, países da África, França, Espanha, Itália, Rússia, Arábia Saudita, México, Argentina, EUA e Canadá também apresentam experiências bem sucedidas com objetivos variados: fazer chover ou nevar, diminuir granizos e remover poluentes ou radiação da atmosfera.

As nuvens são constituídas por gotículas de água condensada, oriunda da evaporação da água na superfície do planeta, ou por cristais de gelo em suspensão que se formam em torno de núcleos microscópicos, geralmente de poeira suspensa na atmosfera. Saturadas, as nuvens desencadeiam a chuva.

A semeadura de nuvens auxilia e acelera esse processo, fornecendo "núcleos" adicionais em torno dos quais a água se condensa, iniciando uma reação em cadeia que se espalha por toda a nuvem, causando precipitação. O gelo seco funciona muito bem para esta função. E como passa a vapor em contato com a água, não há perigo de "chover" gelo.

No Sudeste se faz necessário um conjunto de medidas para resolver a questão da água: construção de represas, ligação de bacias e educação e bônus contra o desperdício e racionamento, além de ações para preservar e manter a função protetora das florestas. São Paulo deveria decretar o "Desmatamento Zero" propugnado pela ONU.

Principalmente e com total urgência, monitorar e no mínimo estancar os desmatamentos nas vertentes das bacias do Sistema Cantareira. E, ao invés da difusa delimitação da Área de Proteção Ambiental (APA) federal da Bacia do Rio Paraíba do Sul, criar Unidades de Conservação (UC) de proteção integral.  

Enquanto isso, podemos fazer chover em São Paulo a título de experimento para determinar a viabilidade do processo, consubstanciada em dados de elevação dos níveis das represas, da relação gelo seco X índice pluviométrico e custos reais. Pretende-se aliviar a gravíssima estiagem que nos ameaça com expectativa de "100 dias de água". Temos avião e piloto. Falta comprar gelo seco e decisão política.
 

RUBENS JUNQUEIRA VILLELA é meteorologista pela Florida State University (1957), cientista e pesquisador, professor aposentado do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciencias Atmosféricas da USP
FAUSTO PIRES DE CAMPOS é biólogo, analista ambiental da Fundação Florestal / SMA
MARIA EMILIA GADELHA SERRA é médica, ambientalista, fundadora do Instituto Recicle, presidente da Associação Brasileira de Ozonioterapia e diretora médica do Instituto Alpha de Saúde Integral

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