Folha de S. Paulo


Programa anticrack De Braços Abertos, da Prefeitura de São Paulo, tem tido êxito? Não

ANA CECILIA PETTA ROSELLI MARQUES: CRACOLÂNDIA, O RETORNO

Apesar de, infelizmente, ainda não ser possível avaliar no momento, com critérios rigorosos e científicos se o programa de reinserção social De Braços Abertos –oferecido pela Prefeitura de São Paulo aos usuários de drogas que estão em situação de rua na cracolândia– vem produzindo resultados positivos ou negativos, a grosso modo parece que nada adiantou.

Ao contrário, as evidências jornalísticas mostram que o número de usuários aumentou na região da cracolândia –localizada na Luz, próxima à Sala São Paulo, no coração do centro da cidade. Além disso, os usuários de drogas se espalharam para outras áreas, como a avenida Paulista, o que já era de se esperar com a aplicação de qualquer medida isolada.

Isso significa que a dependência de drogas é uma doença que se desenvolve no cérebro, muito complexa, e que precisa de várias etapas de intervenção.

São elas: desintoxicação, diagnóstico aprofundado da gravidade e de suas consequências, estabilização, prevenção de recaída, manutenção e seguimento. Ao longo do processo, cada caso recebe também a reinserção social.

Vale a pena ressaltar que desde o início das ações na cracolândia há pelo menos cinco anos, as expectativas sempre foram as melhores, mas sempre muito ingênuas.

Hoje, com o conhecimento disponível sobre o tema, como é possível imaginar que os indivíduos que lá estão, comprometidos física, mental e socialmente, podem ser reabilitados da dependência de drogas?

Como é possível imaginar que recuperar aqueles indivíduos que enfrentam a dependência do crack, uma doença que se desenvolve no cérebro, com repercussões profundamente deteriorantes e com diferentes consequências, sem tratamento, apenas por meio de trabalho e de uma moradia? Ou apenas com visitas aos centros de apoio?

A questão vai muito além. Para intervir em uma questão tão complexa, que coloca o usuário entre a vida e a morte a todo momento, pelos mais diversos motivos, que atinge a família e a toda a sociedade, é preciso adotar uma política de drogas humana, ecológica e ajustada a cada realidade.

É verdade que esse fenômeno ainda carece de estudos, ele não é de todo conhecido, mas os princípios para a elaboração de uma política baseada em boas práticas vem sendo discutidos no mundo.

A discussão mais importante hoje em dia é como entender de uma vez por todas qual o impacto das drogas e que esse impacto não será controlado por medidas simples e desconectadas.

É preciso uma política robusta, específica para cada droga e para cada contexto, e para o crack um capítulo especial àqueles que estão em situação de rua.

Política essa que significa um conjunto de medidas aplicadas ao mesmo tempo e na mesma direção.

A reinserção social é preciso, mas o tratamento e o controle da oferta de drogas são imprescindíveis.

Quando será que o governo irá assumir o seu papel de gestor e promover a coalizão das ações, implementando um método mais efetivo para o problema?

E quando será também que a sociedade brasileira vai entender que tem direito –humano– às melhores práticas disponíveis e que deve lutar junto com o governo por um desfecho positivo para o problema das drogas?

Ou será que, contemplativa e depressivamente, assistiremos mais uma vez ao "retorno da cracolância"? Não. Existe esperança, existe ciência, e agora é a vez da política.

ANA CECILIA PETTA ROSELLI MARQUES é médica psiquiatra, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas

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