Folha de S. Paulo


Daniel Guth: Ciclofaixa de lazer reeducando a cidade

A cada domingo em São Paulo cerca de 120 mil pessoas deixam suas casas para pedalar pelos 120 quilômetros de ciclofaixas de lazer, implantadas desde 2009. Essas faixas para ciclistas são abertas exclusivamente nesse dia da semana em ruas e avenidas da cidade.

Na metrópole cuja imagem se confunde com a tentativa desastrada de se viver entre grandes obras e o sufoco do trânsito, é estimulante saber que milhares de pessoas anseiam por outras opções de lazer que não fiquem restritas a shoppings, por exemplo.

Recente pesquisa com frequentadores da ciclofaixa de lazer apresentou dados interessantes sobre os hábitos e comportamentos dos paulistanos sobre duas rodas.

A média de frequência é de três domingos por mês, o que mostra que a iniciativa está consolidada. Dos entrevistados, 86% dizem que passaram a respeitar mais os ciclistas. Já 84% afirmam que passaram a pedalar mais após a implantação da ciclofaixa de lazer. Essa informação mostra que esse é um celeiro de novos ciclistas, uma verdadeira incubadora de ciclistas urbanos.

Outros aspectos, de caráter de humanização das relações e dos espaços públicos, podem ser destacados a partir da implantação dessas estruturas: é visível a presença de várias gerações da mesma família pedalando juntas –avós, pais, netos.

Há relatos de parentes que voltaram a conviver a partir de encontros na ciclofaixa. O centro histórico de São Paulo, que sofre um verdadeiro êxodo de vida e de movimentação nos finais de semana, passou a ser redescoberto pelos paulistanos, ávidos por explorar os monumentos históricos e os museus, movimentando cafés, restaurantes e o comércio local.

Comerciantes passaram a enxergar o ciclista de outra forma –seja na boa recepção ou na implantação de bicicletários funcionais, onde o ciclista passa a ser mais valorizado. Até para as vendas a bicicleta se apresenta como uma excelente solução. Lojistas do ramo de bicicletas revelaram um aumento de 30%, em média, no movimento e nos lucros. Há que se falar também das novas bicicletarias, iniciativas e empreendimentos ligados à bicicleta que surgiram nestes cinco anos.

Iniciativas como as ciclovias dominicais de Bogotá e de Nova York são bons exemplos de como promover uma ocupação saudável de ruas e avenidas, com resultados imediatos no paradigma de se repensar a mobilidade urbana. Mobilidade não é exclusivamente transportar pessoas de um ponto a outro, é também repensar o uso e ocupação que promovemos na cidade.

Com a implantação paulatina dos 400 km de ciclovias permanentes na cidade –uma meta ousada do prefeito Fernando Haddad– o fomento ao uso de bicicleta e a melhoria da infraestrutura para quem já pedala passam a cumprir funções agregadoras entre si, consolidando uma premissa importante de um planejamento cicloviário.

Induzir demanda garantindo segurança, conforto e praticidade é a melhor maneira de celebrar as bodas de ferro da ciclofaixa de lazer.

DANIEL GUTH, 30, consultor em mobilidade urbana, foi coordenador de implantação da ciclofaixa de lazer em 2009. É diretor de participação da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo e líder da Rede Bicicleta para Todos

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