Neste ano, centenas de milhares de pessoas se arriscaram em uma viagem em mar aberto, atormentada não só pela escassez de alimentos como também por oscilações de temperatura e ventos de 150 quilômetros por hora.
Em uma travessia que pode durar seis dias, realizada em geral em precárias embarcações, saíam da África rumo à Europa. Fugiam do inferno da guerra e da miséria.
Como mostrou reportagem desta Folha, esses imigrantes pagaram até € 2.000 (R$ 6.800) a aliciadores que prometiam o paraíso do outro lado do Mediterrâneo.
Até o fim de novembro, de acordo com a Organização Internacional de Migração, cerca de 160 mil pessoas, três vezes mais do que em 2013, foram resgatadas a caminho da Itália –estima-se que outras 3.000 tenham morrido no trajeto.
Por trás desse aumento vertiginoso de imigrantes estão a instabilidade social e o recrudescimento de conflitos e da opressão em alguns países árabes e africanos.
Não surpreende, assim, que a maior fatia (24%) provenha da Síria. A sangrenta guerra civil no país, que já passa de três anos, tornou-se ainda mais brutal em 2014, com o fortalecimento da milícia radical Estado Islâmico, que conquistou parte do território.
Menos conhecida é a situação vivida pela população da Eritreia, o segundo país com mais imigrantes encontrados no Mediterrâneo (21%). O governo do presidente Isaias Afewerki, que ocupa o posto há 20 anos, promove intensa perseguição política a seus opositores.
Cerca de 90% de todo esse contingente usa a Líbia como ponto de partida. A instabilidade institucional que reina no país desde a queda do ditador Muammar Gaddafi forma terreno propício para a passagem interna e a fuga à Itália.
A maioria dos que arriscam a travessia busca obter em solo europeu o status de refugiado. Até novembro, foram 60,7 mil pedidos de asilo ao governo italiano, mais que o dobro das solicitações de 2013.
Os imigrantes sem dúvida encontrarão ambiente mais livre e tranquilo na Europa, mas não é certo que terão vida fácil no continente.
Não só a situação econômica europeia como também os campos social e político inspiram cuidados. O PIB da região deve crescer menos de 1% em 2014, e a geração de empregos permanece aquém das metas estabelecidas; são notórios, além disso, o aumento da xenofobia e a ascensão de partidos de extrema direita em diversos países.
Talvez não sejam, contudo, obstáculos demasiados para quem enfrentou cotidianamente a fome e a opressão totalitária.