Folha de S. Paulo


Marcelo Ninio: O medo da China

"Ninguém quer saber de boas notícias sobre a China." A frase me foi dita por uma economista de um grande banco brasileiro, que passou recentemente por Pequim numa de suas visitas periódicas para medir a temperatura da economia chinesa.

A afirmação condensa as expectativas contraditórias que o mercado e o público em geral alimentam sobre a China. De um lado, o medo de que a segunda economia do mundo faça um pouso forçado e leve o resto do planeta para o buraco. De outro, uma torcida mórbida para que as coisas na China deem errado.

A fixação nos aspectos negativos não se limita à economia, claro. Quando se pensa na China, o que vem à mente da maioria das pessoas é um elenco de horrores que inclui poluição, autoritarismo, abusos de direitos humanos, produtos de baixa qualidade, trabalhadores explorados, escândalos alimentares e por aí vai.

Inegável que grande parte dessa imagem é gerada pela realidade. O crescimento vertiginoso da economia chinesa produziu distorções que exigem medidas dolorosas contra problemas como a poluição e, nos últimos anos, a escalada do endividamento.

O problema é que as más notícias fornecem um pretexto para que não se conheça mais a fundo as nuances de um país diverso, com uma história cheia de reviravoltas e um sistema político-econômico que não pode ser comparado com nenhum outro.

No Brasil, faltam investimentos públicos e privados para ampliar o conhecimento sobre o país. Mesmo em desaceleração, a China caminha para se tornar a maior economia do mundo até o fim desta década, segundo a maioria das estimativas. Já é o principal parceiro comercial de pelo menos 120 países, entre eles o Brasil.

Apesar disso, nas universidades brasileiras o estudo sobre a China é anêmico. No Itamaraty, contam-se nos dedos os diplomatas que falam mandarim. Entre os empresários brasileiros, poucos se aventuram a encarar o desafio de entrar no mercado chinês.

O número de firmas do país na China não chega a 60. Em contraste, a Finlândia, de apenas 5 milhões de habitantes, tem mais de 300.

Assim, o Brasil perde oportunidades que poderiam ajudar a indústria nacional, num momento em que a economia chinesa busca uma transição para um modelo mais focado no consumo doméstico.

O eixo do capitalismo mundial se desloca para a Ásia, onde estão as economias mais dinâmicas. A locomotiva é a China, que cada vez menos esconde sua ambição de assumir de vez o status de superpotência. Não importa a opinião que se tenha dos chineses. Sem um conhecimento aprofundado do país, o Brasil vai continuar perdendo o bonde.

MARCELO NINIO é correspondente da Folha em Pequim. O colunista VLADIMIR SAFATLE está em férias.


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