Folha de S. Paulo


Governo brasileiro deve negar visto ao suíço Julien Blanc, "instrutor de paquera"? Não

MARISTELA BASSO: SÓ UM PROJETO MALSUCEDIDO DE "DON JUAN"

Não, o Brasil não deve impedir a entrada de Julien Blanc no país. As mulheres não precisam de proteção das autoridades públicas para não caírem na lábia dos falsos conquistadores treinados por Julien Blanc. Estamos, portanto, preparadas para nos defender deste projeto malsucedido de Don Juan.

Ademais, Julien Blanc e seus simpatizantes provavelmente não são bandidos, apenas garotos que não sabem o que fazer com as garotas e nem mesmo são capazes de reconhecer suas diferenças.

Expulso da Austrália, proibido de entrar no Canadá e no Reino Unido, o "instrutor de paquera" Julien Blanc se vê diante da ameaça de recusa da concessão de visto do governo brasileiro às vésperas de desembarcar no país para ministrar aulas sobre técnicas de sedução.

Dizem os organizadores que as inscrições estão, desde já, esgotadas no Brasil, o que revela que o universo masculino parece mesmo carente de ensinamentos nessa área das relações humanas.

Se, de um lado, os brasileiros estão marchando a passos largos para aprenderem as técnicas e absorverem os conselhos de Julien Blanc, por outro, o governo brasileiro sai em defesa das brasileiras afirmando que não vai admitir a entrada no país do renomado "pick up artist" (algo como "artista [ou profissional)da pegação", em tradução livre)–, como Julien Blanc ficou conhecido.

A justificativa brasileira repousa no "perigo" que ele representa para as mulheres.

As preocupações do governo brasileiro têm fundamento em petição com mais de 400 mil assinaturas na qual as mulheres exigem que a entrada dele seja proibida em nosso território porque seus métodos de sedução são machistas, pautados por violência, intimidação e humilhação.

Segundo as signatárias, suas palestras mundo a fora "representam ameaças e não contribuem para o bem público".

Diante de tão forte argumentação, o Itamaraty se viu obrigado a dar uma resposta: "Ele não entra no país". E o que fazer com aquela revoada de moços já inscrita para assistir as aulas a serem ministradas pela versão pós-moderna de Don Juan?

Ora, não obstante a petição tornada pública que exige a proibição dele no país, alguém precisa dizer ao governo brasileiro (e a todos os outros) que não deve comprar essa briga com o cidadão suíço-americano, negando seu visto, pela simples razão de que nós, mulheres, pelo menos a grande maioria delas, não nos sentimos em perigo nem somos indivíduos vulneráveis.

E, diferentemente do que dizia Nelson Rodrigues, as mulheres não gostam de apanhar, e mesmo as neuróticas sabem identificar de longe um idiota crédulo.

Julien Blanc não é um perigo público e seu falatório pueril não incita a violência. Quando ele sustenta aos seus discípulos que o bom sedutor é aquele "que dispensa as gordinhas para ir atrás das gatas" e "as pega pelo pescoço", deixa claro seu primitivismo infantil e desperta nas mulheres apenas compaixão.

Certamente, o sedutor-trapalhão não implica ameaça alguma se comparado aos membros dos movimentos da rede terrorista al-Qaeda e assemelhados.

Esses grupos viram as porteiras brasileiras abertas para que se mudem de mala e cuia para cá, quando o governo instruiu as embaixadas e consulados a darem vistos –sem consulta prévia ao Brasil– para nacionais do Afeganistão, Irã, Iraque, Jordânia, Líbano, Líbia, Palestina, Paquistão e Síria.

MARISTELA BASSO, 50, advogada, é professora livre-docente da Faculdade de Direito da USP

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