Folha de S. Paulo


Editorial: E se o PIB secar?

A seca que se abate sobre a região Sudeste do Brasil transcende as dificuldades cotidianas e a ansiedade que impõe a 27,6 milhões de pessoas na área afetada. O dano potencial é grande demais para que o senso de emergência continue tolhido pela ótica mesquinha dos interesses partidários.

Segundo levantamento desta Folha, são pelo menos 133 as cidades em São Paulo, Minas Gerais e no Rio de Janeiro com algum tipo de dificuldade de abastecimento de água. Somadas, a riqueza produzida nessas cidades corresponde a 23% do PIB brasileiro (dados de 2011, os mais recentes com detalhamento por município).

Em valores atualizados, a cifra alcança R$ 1,1 trilhão; seria o segundo maior PIB da América do Sul. Se essas 133 cidades perderem 1% de sua produção por força da estiagem –indústrias que paralisem atividades, por exemplo–, o prejuízo (0,23% do PIB) se aproximaria do crescimento que se projeta para a economia nacional no ano.

A crise se assemelha, sob vários aspectos, à que produziu o apagão de 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Por imprevidência do poder público, os reservatórios de usinas hidrelétricas baixaram a níveis críticos, e a falta de energia comeu dois ou três pontos do crescimento econômico naquele ano, que ficou em 1,3%.

Enfrentou-se a crise de energia com grande mobilização e incentivos para reduzir o consumo. Construíram-se usinas termelétricas movidas a carvão, óleo e gás para acionamento em caso de emergência. Incrementou-se a interligação entre regiões, para melhor transferir carga de uma para outra. O sistema elétrico se robusteceu.

A diferença em relação à presente crise hídrica é que não existem usinas destinadas à produção de água (antes que se fale em dessalinização, cabe assinalar que seria proibitivo o custo da energia para sustentar o processo e bombear a água serra do Mar acima, no caso da região da Grande São Paulo).

A dependência das condições climáticas, portanto, é total. Pode-se –e deve-se– reduzir o consumo, mas isso não resolve o problema.

Pior: num país com a matriz energética dominada pela fonte hidráulica, a água constitui o elo de ligação entre duas crises, a de abastecimento hídrico e a do combalido sistema elétrico.

Os reservatórios de usinas hidrelétricas do Sudeste estão no nível mais baixo desde 2000. O panorama se ensombrece mais quando se leva em conta que as distribuidoras de energia também se acham à beira de grave crise financeira, resultado do intervencionismo do Planalto para baixar as tarifas.

A emergência, pois, afigura-se bem mais séria do que se tem admitido. Chuvas dentro da média histórica não a afastarão. A estiagem é também, e sobretudo, de liderança e senso de responsabilidade.


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