Folha de S. Paulo


Marcos Lisboa: Ministro da Fazenda não é garantia

Existe uma natural ansiedade acerca da escolha do próximo ministro da Fazenda. Em que medida o governo será coerente com o discurso da campanha ou, ao contrário, fará a opção por um severo ajuste fiscal em decorrência dos graves desafios da economia brasileira?

Desanimando os mais esperançosos, a escolha do ministro será insuficiente para uma mudança de rumo. Os números disponíveis e as restrições legais justificam o ceticismo.

O resultado das contas públicas neste ano está negativo, quando se exclui o pagamento de juros e as receitas extraordinárias. Estabilizar a dívida pública, porém, requer um resultado positivo de cerca de 3% do Produto Interno Bruto.

Para se ter uma noção do desafio, apenas em dois anos desde o Plano Real, 1999 e 2003, ocorreu redução dos gastos públicos, e o ajuste foi de 0,5% do PIB.

Quem viveu aqueles dois anos sabe da dificuldade decorrente de uma redução das despesas que, em valores atuais, foi de cerca de R$ 25 bilhões. Cumprir a meta prevista em lei de 2,5% para 2015 requer um ajuste muito maior, perto de R$ 150 bilhões.

Agravando o quadro atual, o Executivo dispunha, em 1999 e 2003, de instrumentos para fazer o ajuste. Infelizmente, esse não é o caso no momento. Os gastos discricionários, aqueles que podem ser realizados por decisão do Executivo, somam apenas 2% do PIB e incluem todos os investimentos federais, o programa Minha Casa, Minha Vida, e muitas despesas essenciais. Os demais gastos são determinados por lei.

Um governo menos refém do discurso populista poderia rever algumas despesas surpreendentes, como os gastos com pensão por morte, muito superiores aos observados em países desenvolvidos, que apresentam maior parcela de população idosa. Poderia também reverter os benefícios ao "andar de cima", como os subsídios do BNDES e as desonerações tributárias a setores selecionados.

O próximo governo, porém, elegeu-se demonizando a discussão sobre ajuste fiscal e a revisão de gastos públicos. Caso seja coerente com o que defendeu na campanha, não poderá revê-los e reduzir o crescimento da despesa pública.

Resta a irresponsabilidade e a postergação do ajuste necessário, com custos sociais ainda maiores para os próximos anos, como o maior endividamento público ou o aumento significativo dos impostos.

Existe a alternativa de retratação do compromisso de campanha de manter os gastos públicos, com severos custos políticos, além da necessidade de medidas legislativas. A atual agenda no Congresso Nacional, no entanto, parece dominada por medidas que ampliam os gastos públicos, indo na contramão do ajuste necessário.

O enfrentamento do grave quadro fiscal requer um governo que reconheça as dificuldades e viabilize politicamente as reformas necessárias para a sua superação, e não apenas que atribua os problemas à crise externa e a uma temporária baixa confiança do setor privado.

A baixa confiança é consequência dos problemas, e não a sua causa. Ela requer uma agenda de governo, e não apenas um novo ministro da Fazenda. Aumentar a taxa básica de juros, por um lado, e dar maiores subsídios para o "andar de cima", por outro, é reproduzir a esquizofrenia dos últimos anos.

A deterioração das contas públicas tem um impacto significativo sobre a economia, como inflação elevada, maiores taxas de juros, menor crescimento, além do risco de crise nas contas externas, agravando a perspectiva para 2015.

O discurso da campanha eleitoral colaborou com a eleição da presidente. Infelizmente, pode, da mesma maneira, ter derrotado o próximo governo.

MARCOS DE BARROS LISBOA, 49, doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia (EUA), é vice-presidente do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa

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