Folha de S. Paulo


Michael Kepp: É verdade que as mulheres não são engraçadas?

No mais recente de seus clichês, a colunista do Globo Martha Medeiros escreveu: "Considero o humor masculino mais interessante que o nosso. Mulher recorre à caricatura e ao exagero para tornar-se engraçada. Já o humor masculino é reflexo de uma observação realista. ... De histéricas bastamos nós."

Essa caricatura das mulheres é comum. No ano passado, Jerry Lewis disse que as mulheres que tentam ser engraçadas "diminuem suas qualidades [femininas]".

E, em ensaio de 2007 na revista Vanity Fair, o escritor Christopher Hitchens perguntou: "Por que as mulheres não são engraçadas?" Suas duas respostas: a mulher e o humor seriam "opostos" e "a tarefa mais importante que o homem precisa desempenhar na vida é impressionar o sexo oposto. As mulheres não têm a menor necessidade correspondente de atrair aos homens dessa maneira. Elas já os atraem."

Eu acho que os homens fazem graça para atrair mulheres porque as mulheres consideram o humor um sinal de inteligência e o valorizam num companheiro muito mais que os homens.

Também penso que os homens que tentam seduzir as mulheres pelo riso nem sempre conseguem leva-las para a cama. É por isso que o argumento - os homens se esforçam mais que as mulheres para ser engraçados-possui a nuance que falta aos clichês de Hitchens e Medeiros.

As mulheres são ensinadas desde a infância a sorrir, ser educadas e gentis. Elas não fazem tanta força quanto os homens para ser engraçadas, porque o humor pode ofender. Mas as mulheres que rompem com essa convenção social podem nos levar a gargalhar tanto quanto homens.

Hitchens também pergunta: se as mulheres são tão divertidas quanto os homens, por que existem muito mais humoristas de stand-up e roteiristas cômicos homens que mulheres? Uma resposta: o humor, especialmente a comédia stand-up, tem sido tradicionalmente uma profissão dominada pelos homens. O mesmo se aplica à alta cozinha.

Por que? Os humoristas stand-up, assim como os chefs, geralmente trabalham até tarde da noite, um horário em que a maioria das mulheres convencionalmente já está em casa. Nos Estados Unidos, porém, o feminismo ajudou as mulheres a romper com as convenções sociais e migrar para a comédia e outras profissões exóticas.

A sitcom I Love Lucy, da pré-feminista Lucille Ball, foi o programa de TV mais visto nos Estados Unidos em quatro de suas seis temporadas, na década de 1950. Nos anos 1990, o elenco de quatro mulheres de Sex and the City usou o humor para trocar confidências e tratar de questões sociais. E Nora Ephron, a indicada ao Oscar roteirista de Harry e Sally, Feitos Um para o Outro (1989), usou o humor de observação - segundo Medeiros, seara exclusiva dos homens-para indagar se homens e mulheres podiam ser amigos.

No Brasil há menos comediantes mulheres, porque o machismo retardou os avanços feministas. Mesmo assim, a peça de teatro Cócegas, escrita e representada por Heloísa Périssé e Ingrid Guimarães, ficou em cartaz por dez anos porque suas personagens enfrentam o cotidiano da mulher moderna de modo cômico. É o que faz também o elenco feminino de A Grande Família. E, no palco, Marília Pera é capaz de fazer comédia mal escrita ficar hilária, simplesmente com seus tiques faciais e entonações de voz.

Portanto, eu diria a Hitchens e Medeiros: deem às mulheres mais tempo para desafiar as convenções sociais, e seus clichês sobre elas se tornarão risíveis.

MICHAEL KEPP, 64, jornalista americano radicado no Brasil, é autor de "Tropeços nos Trópicos - Crônicas de um Gringo Brasileiro" (Record) www.michaelkepp.com.br

Tradução de CLARA ALLAIN

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