Folha de S. Paulo


Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak: Prioridades em pesquisas

O ambiente brasileiro em relação às pesquisas mudou muito desde a época em que começamos nossas carreiras e há que reconhecer mudança para melhor.

Os órgãos pagadores de pesquisas que nas priscas eras –as tais em que começamos– não existiam. Várias agora apoiam produtivamente e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) é, nesse contexto, exemplo de seriedade, como também nos cuidados que adota para custear projetos originais, adequadamente embasados, financeiramente viáveis e com cronogramas realistas.

Existem outros órgãos congêneres participando no mesmo caminho. Tanto isto é verdade, que a produção científica brasileira na área médica vem aumentando e está sendo publicada em revistas indexadas de primeira linha: um dos últimos números do "New England Journal of Medicine", provavelmente a revista de maior reputação e com o maior índice de impacto do mundo, quanto ao setor médico, incluiu artigo elaborado por membros do Laboratório Central do Hospital das Clínicas de São Paulo, em colaboração com pesquisadores norte-americanos.

Reconhecendo o aperfeiçoamento do ambiente da pesquisa no Brasil, perguntamo-nos, no entanto, se estamos priorizando os nossos problemas de saúde dentro deste panorama.

Não consideramos que a investigação deva ser teleguiada e dirigida especificamente a problemas escolhidos pelo governo de plantão, até porque ele passa e muito menos aceitamos conhecimentos baseados em ideologias. Isto costuma originar péssimas pesquisas e os resultados são trágicos, como o que aconteceu com Lyssenko na época stalinista, atrasando a genética russa por décadas. Mesmo no Brasil conhecemos alguns eventos desta espécie.

Se um pesquisador tem uma pergunta, deve contar com a liberdade de procurar a resposta e propor às agências sustentadoras as maneiras para ir atrás dela. Longe de nós sugerir –e reafirmamos isto mais uma vez– uma lista de indagações que alguém do regime define.

Isto dito, é fundamental que possamos executar pesquisas que interessam à nossa população.

Conhecemos muitas das chamadas doenças negligenciadas, as tais que sucedem em países tropicais e não acontecem em países ricos. Persistem centenas de questões a respeito destas enfermidades, indo de epidemiologia, resposta imune a tratamento, e este é um assunto onde nossos envolvidos não possuem a competição obrigatória verificada com outras matérias como câncer, Alzheimer ou infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, por exemplo.

É mais fácil conseguir algo de original útil e necessário, preocupando-se com nosso meio, sendo possível comunicar em veículos excelentes, indexados, os achados neste campo.

Deveríamos priorizar estas intenções, até porque o financiamento passa pelo anúncio dos resultados, e neste sentido atenções sobre a realidade nacional satisfazem mais. Depois deparamo-nos com o óbvio: obrigatoriamente devemos enfrentar infortúnios vigentes por aqui, porquanto afigura-se insensato aguardar soluções advindas de estrangeiros, eventualmente interessados neles.

Um dos problemas mais sérios da praga "publish or perish" (do inglês publicar ou perecer) é a realização de muitos trabalhos do tipo mais do mesmo. Isto conduz a composições mais fáceis de publicar, mas do ponto de vista de contribuir para o efetivo conhecimento, pouco valem. Esta é modalidade de conduta que, apesar de possibilitar difusão, gera impacto científico mínimo e, conforme nossa convicção não merece validade.

Se houve publicação e confirmação mais de uma vez, deixa de suscitar reconfirmações. Pesquisadores e entidades que ajudam deveriam, frisamos, fugir disto e priorizar –e aqui não se trata de diretiva burocrática– pesquisas sobre nossas pragas e desgraças.

VICENTE AMATO NETO, 87, é médico infectologista e professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
JACYR PASTERNAK, 74, é médico infectologista e doutor em medicina pela Unicamp

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