Folha de S. Paulo


Rui Fragoso: Filhos de estrangeiros no Brasil

Recente editorial desta Folha (7/8) intitulado Justiça temporã aborda o descumprimento do judiciário brasileiro na rápida resposta das questões referentes ao descumprimento da Convenção de Haia, naquilo que diz respeito ao "sequestro dos próprios filhos".

A questão é mais complexa do que se aparenta. Não há dúvida sobre a lentidão da justiça no Brasil e das suas causas. Também, não há discordância sobre a importância do cumprimento pelo Brasil dos tratados internacionais. Da mesma forma, a ruptura imotivada da convivência do filho por parte de um genitor em detrimento do outro, seguida de fuga para outro país, merece pronta solução do Judiciário do país onde está localizado o menor.

Mas, felizmente, não existe direito absoluto e cada caso merece ser analisado por suas próprias peculiaridades. Disso resulta, que decisões ou normas em direito de família, especialmente quando tratam de menores, não admitam súmulas vinculantes, decisões formais ou mera reprodução de texto legal sem atenção ao sentido do tratado, da lei ou da norma.

Para a compreensão da profundidade da Convenção de Haia, subscrita por 92 países, deve-se estar atento ao objetivo do citado tratado que estabelece o bem-estar do menor como fator preponderante da decisão judicial.

E, por ser o bem-estar e proteção da criança a finalidade primordial da convenção, que o documento internacional previu também hipóteses de não retorno da criança, como exceções à regra de envio de menores ao país de origem. Para a aplicação das exceções reguladas na convenção, a atuação efetiva e sensibilidade do magistrado são indispensáveis. "Se há um terreno, onde a equidade é a regra de ouro, que os juízes devem ter sempre presente, tal será aquela relativa à felicidade de uma criança" como bem observa o saudoso Edgard de Moura Bittencourt. Decorre, aliás, da própria regra legal, ao ditar que o interesse do menor é sempre o principal.

Em diversas situações, países falham em proteger cidadãos estrangeiros casados com nacionais, deixando geralmente mulheres e crianças, expostas à violência doméstica, alcoolismo e outras situações de perigo.

O Brasil não pode ser visto como nação que descumpre o tratado, pois em diversos casos em que não há risco para o menor e a transferência se revela ilícita, o Brasil determina o retorno da criança ao país solicitante. Na verdade, o Brasil é avançado em direito de família e, de fato, aplica a convenção em sua integralidade, inclusive nos casos de exceção, sempre tendo em vista o melhor interesse da criança.

A aplicação do tratado não se reduz a seguir prazos e realizar atos meramente formais. Também a União deve estar atenta neste aspecto e não ser mero eco do pedido de estrangeiros.

Cumprir a convenção de forma alguma significa devolver a criança em todo e qualquer caso. Pois, cada caso é um caso. Exatamente por isso a própria convenção previu hipóteses de não restituição da criança, sendo a atuação do juiz de direito fundamental no caso concreto para a proteção da criança.

O direito, antes de tudo, está a serviço da Justiça. Mas, justiça célere sem os cuidados mínimos não é justiça.

RUI CELSO REALI FRAGOSO, 58, é advogado e foi presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e diretor da Faculdade de Direito da Uni FMU

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