Folha de S. Paulo


Marcelo Rede: Para sair da greve

Após mais de três meses em greve, fizemos ouvir, dentro e fora da USP, nossa indignação contra o descalabro que assola a mais importante universidade do país, preocupação com a deterioração das condições de trabalho e clamor por reformas. Nossa mensagem foi clara: a Universidade de São Paulo precisa mudar sob o risco de eclodir.

A paralisação tem, no entanto, um enorme custo. Formações deixaram de ser asseguradas. Pesquisas foram afetadas. Serviços diretos à sociedade não puderam ser prestados. O balanço já é catastrófico e, a cada dia, os prejuízos serão mais e mais irrecuperáveis.

Pior ainda, não há de imediato uma solução aceitável para o impasse salarial e muito menos uma sinalização robusta e tranquilizadora de como enfrentar os problemas da universidade. A inabilidade de trato da atual Reitoria, a recusa em assumir a responsabilidade pela crise e o obscurantismo ao não informar objetivamente seu projeto de futuro agravam o abismo e nos deixam ainda mais desamparados.

O movimento pode ainda requerer meses de suspensão das atividades universitárias –a luta pode sugerir uma radicalização ainda maior–, mas é preciso saber se a consciência que temos de nosso papel suportaria o ônus de tal decisão.

Não é digno de nós comprometer cursos e pesquisas. É irresponsabilidade protelar a diplomação de nossos alunos. Não é honesto espremer reposições claudicantes em calendários de improviso. É insensato continuar a erodir nosso prestígio perante a sociedade que nos custeia e é injusto aterrorizar, com a ameaça da suspensão do vestibular, estudantes que sonham em fazer parte da comunidade uspiana.

Os docentes que atuam no dia a dia da universidade não podem reproduzir a incúria e a irresponsabilidade que vêm marcando nossos sucessivos dirigentes, tão distantes das realidades de ensino e da pesquisa e tão encastelados na burocracia universitária.

Não é mais hora de coletar a legislação para justificar o direito de greve ou buscar a jurisprudência para denunciar o atropelo dos atos sindicais. É momento de aceitar o mal menor e suspender a paralisação com a dignidade de quem lutou pela boa causa e continuará defendendo suas bandeiras, exigindo repostas imediatas e concretas à crise e à reivindicação salarial.

Não é mais hora de se deixar conduzir por uma lógica de assembleia, que tende apenas a confirmar uma opinião militante e a erigir o grevismo como única arma. É momento de reafirmar que uma universidade se faz com aulas sendo dadas, laboratórios funcionando, bibliotecas abertas e alunos nos campi.

É nas situações de falta de diálogo e de falta de transparência que os professores não podem ser mais insensíveis que os dirigentes da universidade. O ônus da inflexibilidade deve conspurcar a Reitoria; aos professores, cabe ter a serenidade de sair do conflito reafirmando os princípios que levaram a ele e ter a coragem de retomar suas atividades, mesmo não tendo contempladas suas justas reivindicações. Sair de greve não é abdicar das causas.

Os professores da USP precisam voltar às salas de aula. Nossos estudantes nos acompanharão por saberem que é hora de salvaguardar sua formação e de retomar seu cotidiano, inclusive para fortalecer a luta por uma universidade melhor. A maioria deles espera de nós um único sinal.

MARCELO REDE, 48, doutor em história pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne), é professor de história antiga da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

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