Folha de S. Paulo


Editorial: o pouso do tucano

O senador mineiro Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência da República, dedicou boa parte dos últimos dias à tentativa de justificar a construção de um aeródromo em Cláudio (MG), num terreno desapropriado pelo governo do Estado durante a gestão do tucano.

Revelado por esta Folha no último domingo, o episódio desde logo chamou a atenção. Primeiro, porque as terras pertenciam a Múcio Tolentino, tio-avô de Aécio e ex-prefeito de Cláudio. Depois, porque o uso da pista de pouso, pronta em 2010, dependia da autorização dos familiares do senador.

Com 1 km de comprimento e condições de receber aeronaves turbo-hélice de pequeno e médio porte (até 18 passageiros), o aeródromo custou R$ 13,9 milhões aos cofres públicos, sem contar a indenização pela desapropriação. O valor oferecido pelo Estado, R$ 1 milhão, é até hoje discutido na Justiça.

De acordo com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), a pista ainda não teve sua operação liberada ao público. Mesmo assim, Fernando Tolentino, um dos filhos de Múcio, afirmou que ao menos um avião a utiliza por semana.

Entre os usuários estaria o próprio Aécio Neves. Seu refúgio favorito, a Fazenda da Mata, situa-se a 6 km dali. Nas inúmeras explicações que deu ao longo da semana, o tucano não confirma nem nega que tenha aterrissado em Cláudio. O candidato também se eximiu de dizer por que as chaves do local ficavam nas mãos de seus parentes.

Há mais, contudo. Nova reportagem desta Folha mostrou que, em 2001, o tio-avô de Aécio sofreu o bloqueio judicial da área onde está o aeródromo. O Ministério Público pede o ressarcimento dos gastos na construção de uma pista de pouso de terra em 1983, quando Tancredo Neves era o governador mineiro, e Múcio, prefeito de Cláudio.

Para quem não podia dispor de parte das terras, a desapropriação não chega a ser mau negócio. E a indenização, paga com recursos de Minas, poderá ser usada por Múcio para, caso seja condenado, quitar sua dívida com o governo mineiro.

Diante desses fatos, soam no mínimo inverossímeis as declarações de Aécio segundo as quais seus familiares não teriam se beneficiado pela obra. Também caem em descrédito as justificativas técnicas apresentadas pelo tucano.

Pela narrativa oficial, o aeródromo tem importância para as indústrias locais, e a pavimentação da pista de terra representava a opção mais econômica para o Estado.

Mais econômico, na verdade, teria sido não fazer obra nenhuma. A demanda por voos em Cláudio é pequena, e o aeroporto de Divinópolis fica a 50 km de distância.

Ainda que todo o processo tenha sido feito de maneira legal, como sustenta Aécio Neves, restará uma pista de pouso conveniente para o tucano e seus parentes, mas de questionável eficiência administrativa. Não é pouca contradição para um candidato que diz apostar na união da ética com a qualidade na gestão pública.


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