Folha de S. Paulo


Josué Rocha, Jussara Basso e Luis Constantino: A República e a participação popular

A celebração popular de milhares de pessoas no dia 30 de junho em frente à Câmara Municipal de São Paulo, após a aprovação do Plano Diretor, deixou alguns vereadores estarrecidos. Alguns que estão acostumados a estabelecer contato com o povo apenas no período eleitoral não aceitaram a ideia de ter famílias acampadas na calçada acompanhando suas movimentações.

O homem público da República, como o vereador José Police Neto (PSD) pretendeu mostrar que é em artigo nesta Folha, acredita que ao ser eleito torna-se representante das vontades do povo e, por isso, não admite que o próprio povo tente influenciar sua atuação. Ainda mais quando essa multidão de excluídos dos direitos sociais e do processo político ousa afrontá-lo em seu "habitat", onde deveria estar protegido pelos processos burocráticos.

Diante dessa situação, acuado, e sem saber lidar com os gritos que vêm do povo, parte para o ataque. E os trabalhadores e trabalhadoras sem-teto sentiram na pele esse ataque, seja por meio de objetos que foram atirados do prédio da Câmara em direção àqueles que simplesmente dormiam na calçada, ou de palavras que foram vociferadas nas diversas plenárias em direção àqueles que, sentados na galeria, não teriam direito de resposta.

Mesmo após a aprovação do Plano Diretor, os ataques não se encerraram, e agora vão à imprensa dizer que a "vitória do povo" na verdade significa uma derrota para o "povo" que eles representam. O principal argumento que utilizam é que o maior interesse dos sem-teto é furar a fila de inscrição dos programas de moradia. Não divulgam, porém, que a fila para atendimento habitacional da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo), por exemplo, atingiu em dezembro de 2013 a marca de um 1,097 milhão de inscritos. E não há nem previsão de quando essa demanda será, de fato, atendida.

Não divulgam também que, em audiência judicial em 2 de julho, ficou definido que a demanda da ocupação "Copa do Povo" será atendida via Minha Casa, Minha Vida Entidades, modalidade do programa na qual os grupos sociais fazem a contratação da obra e definem a demanda. Essa modalidade tem sido responsável por entregar as melhores unidades para habitação social do país, com apartamentos maiores e com acabamento melhor. É um processo republicano que não interfere na fila dos programas de moradia.

O vereador Police Neto, que se irritou com o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) por termos apenas tornado público o fato de ele ter recebido mais de R$ 400 mil de empreiteiras para financiar sua campanha, agora quer sair como paladino da República.

Basta termos um pouco de memória para recordar que ele foi, na Câmara, o fiel escudeiro do governo Gilberto Kassab (PSD), administração durante a qual houve a atuação da máfia do ISS e do ex-diretor da prefeitura Hussain Aref Saab na aprovação de empreendimentos imobiliários. E ainda se coloca na condição de dizer que a única alternativa ao povo sem-teto é esperar por décadas em uma fila.

Não é de se espantar que, no momento em que seus interesses particulares são afrontados pela participação popular, o homem da República, tal qual em Canudos, opta pela difamação e pela criminalização do povo organizado que ousa lutar por uma sociedade diferente.

JOSUÉ ROCHA, 25, JUSSARA BASSO, 32, e LUIS GIOVANI CONSTANTINO, 36, são integrantes da Coordenação do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e da Frente de Resistência Urbana

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