Folha de S. Paulo


Editorial: Enfim um tijolo

Os Brics deram passos concretos em sua 6ª reunião de cúpula, realizada nesta semana em Fortaleza. A criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o acordo para o uso de parte das reservas dos países do bloco em caso de crise têm grande significado político, embora seja pequeno seu impacto econômico no curto prazo.

Pela primeira vez, um grupo de países em desenvolvimento obtém convergência suficiente para criar instituições fora da órbita imediata do sistema multilateral erguido pelas potências ocidentais em meados do século passado.

A ordem atual, ancorada no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional (FMI), não dá conta das nações de ascensão mais recente na arena mundial.

Reunidos antes por um gracejo –o acrônimo remete à palavra inglesa "brick", tijolo–, Brasil, Rússia, Índia e China, e mais tarde África do Sul, têm expressivas diferenças econômicas, culturais e políticas entre si. Em uníssono, no entanto, postulam maior influência em entidades globais, como o FMI.

O banco dos Brics, destinado a financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento de países emergentes, nasce com capital autorizado de US$ 50 bilhões (mas apenas US$ 10 bilhões estarão à disposição desde o início). A cifra é pequena, mesmo simbólica; para comparação, os ativos do BNDES alcançam US$ 334 bilhões.

Com sede em Xangai, o NBD será presidido pela Índia (por cinco anos) e terá Brasil e Rússia à frente dos conselhos de administração e de ministros, respectivamente. Apesar da isonomia formal, a China decerto sobrepujará os demais.

Embora considere o banco dos Brics um "sinal dos tempos", a presidente Dilma Rousseff afirmou que as novas instituições do grupo não são contra ninguém, mas a favor de seus membros. É uma descrição feliz: não devem substituir o FMI e o Banco Mundial, mas operar de forma complementar a eles.

O acesso pleno ao fundo de reservas, ao que parece, só ocorrerá se o país em dificuldades tiver um acordo de ajuste com o FMI. O mesmo procedimento foi adotado pela União Europeia para financiar a periferia do bloco continental.

A despeito dos graves erros nas crises de 1997 a 2008, o FMI ainda é visto como detentor da melhor tecnologia de confecção e monitoramento de programas de recuperação econômica. Ou seja, quem estiver esperando dinheiro fácil vindo dos Brics, com garantias frouxas, provavelmente se frustrará.

Isso não diminui a importância geopolítica dessas novidades. Começa a se formar uma rede sólida de relações econômicas e financeiras entre os novos atores de peso na economia mundial.


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