Folha de S. Paulo


Rosana Chiavassa: Vagão Rosa não é solução

A decisão da Assembleia Legislativa de São Paulo de aprovar o projeto de lei que institui o vagão exclusivo para as mulheres nas composições do Metrô e da CPTM -o chamado "Vagão Rosa"– reforça a percepção de que existe um vácuo entre os nobres deputados e a realidade do nosso Estado.

Do contrário, eles saberiam que tal pseudossolução não atende aos desejos das mulheres, fere a Constituição e é tecnicamente discutível. Está claro que os deputados não buscaram saber a opinião da população nem ao menos conhecer o parecer do Metrô e da CPTM, ambos contrários ao projeto. Acredito sinceramente, assim como tantas outras mulheres, que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) não sancionará o projeto de lei. O que a sociedade quer, de maneira efetiva, é o fim da violência covarde que se pratica contra as mulheres nas ruas, no trabalho, nas escolas e, por incrível que pareça, até em suas próprias casas.

A decisão da Assembleia Legislativa, além de absurda e sem sentido, é oportunista. O problema do assédio sexual no transporte público de São Paulo não é recente. Porém, jamais teve a repercussão que agora se vê na mídia e, consequentemente, junto da opinião pública. Essa pressão de fora para dentro e a proximidade das eleições, não tenho dúvidas, apressou a aprovação do projeto. Os deputados estaduais correram para responder à população, mas escolheram a resposta mais fácil.

E eles também nem se deram conta, o que é extremamente grave, de que o projeto é segregacionista. Pois, todos sabem, a base da segregação é impor um grupo de pessoas como melhor e inferiorizar o outro.

Tal segregação, sobretudo quando feita pelo próprio Estado, é de uma temeridade atroz: ao instituir leis que segregam, o Estado coloca a mentalidade preconceituosa como a correta.

Não bastasse a sucessão de equívocos, surpreende ainda a falta de originalidade dos deputados. A mesma proposta, num passado não muito distante, já foi colocada em prática nos vagões da CPTM e saiu de uso por ferir a Constituição no que diz respeito à discriminação de gênero e ao impedimento do direito de ir e vir. O erro está sendo repetido.

Todo o trabalho dos senhores deputados poderia muito bem ter sido evitado se eles tivessem a sensibilidade, por exemplo, de dialogar com as entidades que defendem os direitos das mulheres e, ainda, com as próprias usuárias do transporte público. Tivessem feito isso, não tenho dúvidas de que uma proposta útil teria sido lançada.

Quando presidente da Associação das Advogadas de São Paulo e executora das ações do movimento "Não hesite, apite", que entrega folhetos com orientações legais e apitos às mulheres para que se defendam do assédio sexual no transporte público, tive a oportunidade de ouvir histórias realmente tocantes. Muitas mulheres sofrem caladas por medo do agressor e por vergonha pelo que passaram. A marca que fica em suas memórias não se apaga.

Espero, já não mais dessa legislatura, que a Assembleia Legislativa, composta majoritariamente por homens, mantenha em pauta a questão da violência contra a mulher. O tema precisa ser melhor trabalhado para atender aos anseios não apenas das mulheres, mas também da sociedade. Não queremos mais viver com essa mácula.

ROSANA CHIAVASSA, 54, advogada, é presidente licenciada da Associação das Advogadas de São Paulo

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