Folha de S. Paulo


Tânia Cavalcante e Luiz Antonio Santini: Brasil respira aliviado

Às vésperas da Copa do Mundo, o Brasil faz o seu primeiro gol. Um gol em beneficio da saúde dos brasileiros. Trata-se do decreto nº 8.262, de 31 de maio de 2014, que proíbe o ato de fumar em recintos coletivos em todo o território nacional ao restringir a possibilidade de se ter áreas reservadas para esse fim.

A nova regra passa a valer em seis meses e alinha a legislação brasileira às regras da Convenção Quadro da Organização Mundial da Saúde. Em seu artigo 8º, esse tratado de saúde pública ratificado pelo Brasil recomenda a total proibição do ato de fumar em recintos coletivos como a melhor prática para proteger todos dos riscos do tabagismo passivo. E isso se deve ao fato de que não fumantes expostos aos elementos tóxicos e cancerígenos da fumaça de produtos de tabaco (fumantes passivos) têm risco de desenvolver câncer, doenças cardiovasculares, entre outras.

Não existem níveis seguros de exposição nem sistema de ventilação capaz de reduzir os riscos a patamares aceitáveis. Ganham os trabalhadores e trabalhadoras especialmente de bares e restaurantes. Ganha o sistema de saúde brasileiro. Países e cidades que adotaram essas recomendações já registraram redução significativa do número de internações por doenças cardiovasculares.

Outra importante conquista para o Brasil se deve à total proibição da propaganda de produtos de tabaco que até então ainda era permitida nos pontos de venda. Somada à limitação da exibição das embalagens a mostruários acompanhados de advertências sanitárias e à proibição do uso de palavras, símbolos, desenhos ou imagens nas embalagens que possam ser associadas a atributos positivos como bem-estar ou virilidade, a medida contribui sobremaneira para reduzir o poder desse mercado de seduzir crianças e adolescentes, principal alvo dessas estratégias.

Em documentos internos de companhias de tabaco, as propagandas, as embalagens e os sabores adocicados dos cigarros são descritos como estratégias centrais para captar jovens para o consumo desses produtos em substituição dos fumantes que largaram o hábito ou morreram e assim garantir um plantel estável de consumidores. Uma estratégia fundamental para a rentabilidade do negócio!

Alguns vão dizer que a medida é uma intervenção do Estado sobre as liberdades de escolha. Estado babá? Não, Estado responsável.

O decreto regulamenta a promoção de um produto que causa dependência química e cujo consumo se inicia na infância e adolescência; um produto que mata um em cada dois de seus consumidores. Regulamenta a comercialização de um verdadeiro veneno que ao longo de décadas tem sido disfarçado em falsas imagens positivas, cores e sabores atrativos. Uma verdadeira arapuca armada pelo fabricante para capturar nossos jovens. No Brasil, 80% dos 24 milhões de fumantes aderem ao hábito antes dos 18 anos. E a cada ano cerca de 19% de crianças e adolescentes entre 13 e 15 anos experimentam cigarros.

Se o Estado não protege suas crianças e adolescentes dessas práticas de mercado predatórias, quem protegerá? Alguns dirão que são as famílias e as escolas as responsáveis. Mas como as já sobrecarregadas famílias e professores podem competir com os melhores marqueteiros a serviço desse negócio?

Como evitar que o futuro de nossas crianças e adolescentes seja compor mais um número das estatísticas de 130 mil mortes anuais de brasileiros e brasileiras acometidos de doenças causadas pelo tabagismo? E como reduzir o ônus e o sofrimento que o tabagismo causa à sociedade brasileira?

O decreto é a tradução do dever do Estado de implementar políticas que reduzam riscos de doenças e preservem a saúde, um direito fundamental do ser humano.

TÂNIA CAVALCANTE é secretária executiva da Conicq, comissão nacional responsável por articular a implementação da agenda de controle do tabaco

LUIZ ANTONIO SANTINI, 68, é diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca)

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