Folha de S. Paulo


Editorial: O drama dos haitianos

Vitimadas pela pobreza crônica, por um conflito civil em 2004 e por um terremoto que devastou a região em 2010, legiões de haitianos têm buscado refúgio no Brasil. Conta-se em 20 mil o número de habitantes do país centro-americano que aportaram no Acre, drama humanitário de dificílima solução.

O drama ganhou toques de farsa política com as recentes polêmicas que opuseram o governador do Acre, Tião Viana (PT), às autoridades tucanas de São Paulo. Num segundo ato, vêm agora de seu próprio campo político, por meio da prefeitura do petista Fernando Haddad, algumas réplicas às acusações de Tião Viana.

O governo do Acre tem facilitado o transporte de haitianos para longe, usando com essa finalidade até mesmo a viagem de volta de aviões enviados de outros Estados para levar alimentos a áreas amazônicas inundadas. Cerca de 500 refugiados vieram parar na capital paulista, sem aviso prévio por parte das autoridades.

Entendem-se as dificuldades do governador acriano em dar colocação, alimento e moradia para tantas pessoas, há anos. Mas é razoável esperar, e nisso insistiram tanto representantes do governo Geraldo Alckmin como da gestão Haddad, um mínimo de coordenação na busca de soluções comuns.

Diante das críticas, Tião Viana passou a acusar de racismo as "elites paulistas". Por extensão, o insulto se aplica a todos que considerem inadequada sua atitude.

Ademais, ela é ilógica: se ele envia haitianos a São Paulo, por que não dizer que, nesse caso, tampouco os quer por perto?

O secretário de Direitos Humanos da prefeitura paulista, Rogério Sottili, reitera a visão de que não se pode admitir que haitianos sejam simplesmente "despejados" aqui. Seu equivalente no Acre, Nilson Mourão, apoia-se na tese de que o processo é "irreversível" e acusa São Paulo de preconceito.

Enquanto isso, sem alegar falta de recursos, o governo de Tião Viana recentemente aprovou a compra de 5.000 bicicletas elétricas, a pretexto de facilitar a locomoção de escolares em áreas rurais. A empresa fornecedora desse tipo de veículos é representada pelo ex-secretário de Saúde e Turismo em duas gestões petistas.

Teriam as bicicletas sua utilidade para o deslocamento de haitianos também? Provavelmente, a compra será considerada "irreversível" nos gabinetes de Tião Viana. Irreversível, na verdade, parece ser sua disposição para distribuir insultos em face de um drama humano de proporções que tais atos não ajudam a mitigar.


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