Folha de S. Paulo


São Paulo deve vetar espigões nos bairros? Sim

UMA CIDADE MAIS ACOLHEDORA E SUSTENTÁVEL

O urbanismo, para além de uma técnica, se constrói com engenharia política. O Estatuto da Cidade determinou a necessidade de participação da sociedade, de modo a reduzir a força de segmentos que, tradicionalmente, têm mais acesso e influência sobre o poder público.

Na revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, temos vivenciado essa experiência. Após um amplo processo participativo, apresentamos na última quarta-feira (26), na Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara Municipal um substitutivo ao projeto de lei nº 688/13, que trata da revisão do plano.

Tendo como ponto de partida a proposta encaminhada pelo prefeito, o substitutivo resultou de uma interpretação dos anseios da sociedade, de uma análise de soluções e desafios urbanísticos e da formulação de propostas capazes de garantir uma cidade equilibrada, sem descuidar das condições para a atuação do mercado, que produz os edifícios para a habitação e o trabalho.

Uma questão central a ser equacionada no Plano Diretor é: para onde a cidade deve crescer e de que forma? Não é mais possível o crescimento horizontal, pois chegamos ao limite do comprometimento das áreas de mananciais, ao sul, e não podemos ocupar a área protegida da Cantareira, ao norte. Ao mesmo tempo, há uma aversão pelo crescimento vertical disperso, que descaracterizou trechos significativos dos bairros residenciais como Perdizes, Aclimação e Vila Mariana.

Para reverter essa situação, o plano articula o uso do solo com mobilidade. A cidade deve ser adensada no entorno dos eixos de transporte coletivo de massa e ao longo da orla ferroviária, onde se concentram grandes lotes e imóveis subutilizados, com coeficiente de aproveitamento máximo igual a 4, ou seja, com a possibilidade de se construir até quatro vezes a área do terreno, sem limite da altura dos prédios.

Mas essas áreas a serem verticalizadas devem se transformar de modo ordenado, com qualificação urbanística, ampliação das calçadas, criação de espaços livres e permeáveis no térreo e fachadas ativas.

Por outro lado, para gerar efeitos positivos de forma equilibrada, o adensamento dessas áreas requer uma contenção ao processo de verticalização no restante da cidade. Nessa perspectiva, se propõe ampliar as áreas verdes e protegidas, criando 168 parques, e limitar a altura de edifícios, com maior controle do processo de transformação dos bairros que ficam mais distantes do transporte coletivo, sobretudo aqueles ainda não verticalizados.

Além de respeitar os bairros exclusivamente residenciais e áreas protegidas, a proposta estabelece que no "miolo" o limite máximo de coeficiente deve ser 2, com controle dos gabaritos dos edifícios, limitado a térreo mais oito pavimentos. Dessa forma, se evita que surjam de forma dispersa espigões ao lado de bairros horizontais, processo questionado por inúmeros paulistanos.

A proposta integra um amplo conjunto de iniciativas para melhorar a cidade. A criação de polos de desenvolvimento econômico na periferia e a reserva de terrenos e glebas para a produção de habitação de interesse social, por meio das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), em locais bem servidos de infraestrutura e emprego, são medidas necessárias para aproximar a moradia do trabalho e reduzir deslocamentos.

A proposta de concentrar a produção imobiliária nas proximidades do transporte coletivo, em vez de dispersá-la, como tem ocorrido, é a melhor maneira de enfrentar o desafio da transformação urbana qualificada, de desestimular a utilização do automóvel e proteger a qualidade de vida e o ambiente dos paulistanos.

NABIL BONDUKI, 58, professor titular de planejamento urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, é vereador em São Paulo pelo PT e relator do projeto de lei de revisão do Plano Diretor Estratégico na Câmara Municipal

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