Folha de S. Paulo


José Cechin: Os planos de saúde e a renúncia fiscal

A política de saúde de cada país é definida conforme sua história, cultura e condições socioeconômicas. Em nenhum lugar do mundo a assistência à saúde é tarefa exclusiva do Estado ou da iniciativa privada.

Em geral, quanto mais desenvolvido é o país, maior é a participação do setor público na saúde. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a participação média do poder público supera os 70% das despesas do setor –nos Estados Unidos, exceção que confirma a regra, o percentual é inferior a 50%.

O Brasil optou por um sistema universal e público, financiado por contribuições sociais incidentes sobre faturamento e lucro. Manteve também o sistema privado sustentado por mensalidades pagas às operadoras pelos beneficiários de planos e seguros de saúde e por empresas que contratam produtos para seus funcionários. A legislação permite que as despesas dos beneficiários e das empresas sejam deduzidas da base de cálculo do Imposto de Renda, o que tem sido questionado em diversas frentes.

De acordo com a Constituição, a saúde é direito de todos e dever do Estado. Mais de 25 anos após a aprovação da Carta, contudo, o país ainda enfrenta limitações para tornar realidade esse projeto democrático.

São notáveis os esforços do Executivo para conter propostas de ampliação dos investimentos em saúde e para deslocá-los para os Estados e municípios, que, em quase sua totalidade, já investem acima dos mínimos impostos pela Constituição –12% e 15%, respectivamente.

As perspectivas de ampliar investimentos públicos em saúde não são promissoras sem reformas profundas. Diante da incapacidade de cumprir a lei, o Estado pode –e deve– atrair a atuação privada. Isso tem sido feito pelas Santas Casas de Misericórdia, que recebem incentivos tributários. Economicamente, o incentivo faz sentido, desde que o valor social dos serviços supere o gasto tributário ou o incentivo fiscal.

Tal lógica pode ser invocada em favor dos cidadãos. Pessoas com ou sem planos de saúde podem buscar serviços privados, abstendo-se do Sistema Único de Saúde (SUS) e abrindo mão do direito assegurado pela Constituição. A contrapartida ao incentivo fiscal é o gasto evitado pelo sistema público, que normalmente é superior.

Ainda assim, alega-se que o valor de desoneração poderia ser destinado ao SUS. Cabe reflexão: em 2011, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o incentivo relativo às despesas com saúde de pessoas e empresas somou R$ 7,7 bilhões; em contrapartida, as operadoras de saúde registraram despesas assistenciais de R$ 69 bilhões –ou seja, para cada bilhão de renúncia fiscal, entregaram serviços no valor de quase R$ 9 bilhões.

O fim da renúncia fiscal teria gerado R$ 7,7 bilhões de receitas, que seriam repartidas entre União, Estados e municípios, mas sem garantia de que seriam investidas em saúde. Provavelmente não o seriam, porque a Desvinculação de Receitas da União (DRU) direciona 20% das receitas da Seguridade Social, destinadas a financiar saúde, previdência e Assistência Social para alocação livre no orçamento fiscal.

Sem a renúncia fiscal, há de se esperar queda no número de beneficiários de planos, o que tornaria dependente do SUS fração maior da população.

A dedução fiscal dos gastos com planos de saúde pode ser entendida como compensação que desafoga o setor público de seu dever constitucional. Para chegar a um modelo ideal cabe, portanto, estabelecer um consenso do que seria justo, uma tarefa de extrema urgência.

JOSÉ CECHIN é diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde)

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