Folha de S. Paulo


Oliver Stuenkel: O risco do recuo estratégico brasileiro

Em um contexto econômico incerto, fala-se que o Brasil deveria focar nos problemas domésticos antes de engajar-se internacionalmente.

É essa a linha de argumentação que levou a presidente Dilma Rousseff a reverter a política externa ativa de seus predecessores. De fato, muitos percebem o ativismo global do Brasil na década passada como elitista, dispensável e sem importância para a vida do cidadão comum.

A expansão da rede diplomática brasileira no mundo durante o governo Lula teria sido, assim, um desperdício de recursos públicos. Alega-se que as embaixadas são boas para quem faz parte do "trem da alegria", mas muito ruins para o contribuinte.

No entanto, argumentar que uma política externa forte seja incompatível com o enfrentamento dos desafios internos é um erro. Primeiramente, uma política externa brasileira ativa não envolve grande emprego de força militar no exterior nem a assunção de obrigações relativas a segurança que possam ocasionar a entrada em conflitos custosos em regiões distantes –como acontece com os Estados Unidos.

Manter uma abrangente rede diplomática e um papel ativo nas negociações e nos debates internacionais não é caro. Além disso, é algo que pode ser conduzido pelo Itamaraty –contanto que ele tenha a autonomia e a confiança presidencial para que possa expor suas opiniões. Exige, portanto, apenas uma quantidade limitada da atenção e do tempo de um presidente.

O orçamento anual do Ministério das Relações Exteriores é tão pequeno em comparação a outros ministérios que seria enganoso destacar o Itamaraty como um exemplo de desperdício do dinheiro público.

Quem argumenta que diplomatas aceitam viver em Bagdá, no Iraque, Pyongyang, na Coreia do Norte, ou Kinshasa, no Congo, por conta de vantagens financeiras ignora as privações associadas à lotação em um desses postos. Afinal, há maneiras mais simples de se tornar um marajá do serviço público.

Em segundo lugar, uma política externa ativa não é incompatível com a priorização de problemas internos. Pelo contrário, é uma ferramenta essencial ao enfrentamento desses desafios.

Levar adiante negociações comerciais multilaterais (que afetam a agricultura brasileira), promover a democracia no vizinho Paraguai (garantindo a segurança energética do Brasil) e a integração regional (tráfico de armas e de pessoas, segurança das fronteiras) são questões profundamente relacionadas a interesses nacionais que afetam a vida diária dos cidadãos. Relacionadas de forma mais indireta, mas não menos importante para os interesses nacionais do Brasil, estão questões como a promoção da paz no Afeganistão (terrorismo global), a paz no Oriente Médio (custo internacional da energia) e as negociações acerca da mudança climática.

Ainda assim, a temática aponta para um importante debate: como avaliar e medir os benefícios de nossa política externa? Como a abertura de uma embaixada em um país distante do Brasil serve aos interesses nacionais? Quais países devem ter uma rede diplomática global e quais não devem? O Itamaraty precisa responder a essas importantes questões de modo mais claro.

Há um importante argumento, todavia, em apoio a um Brasil internacionalmente ativo que vai além do interesse nacional. Historicamente, apenas alguns poucos países ricos mantiveram embaixadas em todas as partes do mundo, o que lhes forneceu acesso direto a informações privilegiadas em regiões estratégicas como Afeganistão, Coreia do Norte e Ruanda. Esses países dominaram, consequentemente, o debate acerca dessas regiões e moldaram a opinião da comunidade global sobre assuntos-chave tais como intervenção humanitária e proliferação nuclear.

Seguindo sua atual estratégia de retração, o Brasil se afastará dos debates sobre muitas das questões internacionais fundamentais, e seu apelo para que as instituições internacionais sejam reformadas soará vazio.

Não podemos mais resolver desafios globais simplesmente nos apoiando no conhecimento de uns poucos países. Os fracassos no enfrentamento de questões como a mudança climática, a volatilidade financeira e as violações de direitos humanos ao longo das últimas décadas são indicadores de que novos atores precisam contribuir para a busca de soluções significativas.

Deixar isso claro tanto para a presidente quanto para o público geral é crucial. Assumir a dianteira do debate acerca da governança da internet, enviar o ministro das Relações Exteriores para participar de uma conferência de paz importante ou desenvolver novas ideias acerca de como utilizar o agrupamento Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul ) são decisões que não custam muito, mas apoiá-las requer confiança e crença na capacidade do Brasil de contribuir positivamente para o debate global e defender seus interesses nacionais –como já fez muitas vezes no passado.

OLIVER STUENKEL é professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo

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