Folha de S. Paulo


Marina Júlia de Aquino: De que é feito o telhado brasileiro?

Desde que se instaurou o debate jurídico sobre se é possível aos Estados impor restrições ao uso do amianto, passando por cima de uma Lei federal (nº 9.055/95) que já define como e de que forma esse produto pode ser extraído, transportado e industrializado, o assunto perdeu muito no que de fato interessa ao país e à sociedade. Se o amianto for proibido, o que vem no seu lugar na fabricação de telhas e caixas d'água?

A pergunta é relevante à luz de um dado importante: mais da metade dos lares brasileiros recebe telhados de fibrocimento, sendo que em torno de 80% são de amianto. Fibrocimento é o nome que se dá à mistura da fibra, seja ela de amianto ou não, ao cimento, celulose e outros materiais para fabricação de telhas onduladas cujo consumo atual é de aproximadamente 250 milhões de metros cúbicos por ano.

Os professores Holmer Savastano Jr. e Vanderley M. John, da Universidade de São Paulo (USP), que por mais de vinte anos pesquisam materiais capazes de substituir o amianto, foram ao âmago dessa questão em recente trabalho publicado por na Folha ("Perspectivas do fibrocimento sem amianto no Brasil", 08/02), à margem das polêmicas discussões em torno dos eventuais danos que o amianto possa oferecer à saúde humana.

Hoje, o discurso fácil de substituir o amianto por fibras de resinas plásticas derivadas do petróleo –o polivinil álcool (PVA) e o polipropileno (PP)–, conforme concluíram os pesquisadores, não resiste à realidade do mercado, levando o Brasil a uma situação de dependência e escassez com sérias repercussões para a construção civil. Sem histerismos nem catastrofismos. O dado é real: no caso do PVA, a produção está inteiramente concentrada na China e Japão, que além de serem grandes consumidores trabalham no limite de 70 mil toneladas/ano. No caso de PP, a produção é de menos de 10 mil toneladas/ano.

Para substituir o amianto, o Brasil precisa nada menos do que 40 mil toneladas/ano dessas fibras –vale dizer, metade da produção mundial. "Não existe capacidade instalada em nível mundial para atender eventual demanda brasileira de fibras de forma imediata", assinalaram os professores.

As conclusões confirmam outro estudo realizado pela Fundação Getulio Vargas, que chamou atenção para o fato de uma única empresa no mundo dominar a tecnologia de produção de fibras de PP, o que representaria um risco potencialmente maior de dependência externa. Na prática, expondo os nossos telhados às intempéries do mercado externo, num salve-se quem puder cuja conta será repassada ao consumidor de baixa renda. Não é justo.

Em números gerais, a cadeia de produção de amianto crisotila em nosso país, que compreende mineração, indústria e fornecedores, é responsável por 170 mil empregos, movimenta mais de R$ 2,6 bilhões e injeta algo em torno de R$ 1,16 bilhão ao Produto Interno Bruto (PIB). No comércio, sobretudo, é que se percebe a importância dos produtos de fibrocimento com amianto para a geração de emprego e renda: eles representaram mais de R$ 1,1 bilhão das vendas no período estudado cinco anos atrás.

Justamente por ser meramente técnico, o estudo não menciona dois dados relevantes para debate. O primeiro, a ausência, e mesmo provas científicas de que as fibras alternativas são mais seguras, ou pelo menos tão seguras quanto o crisotila. O segundo é o fato de que sendo o Brasil signatário da Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), qualquer fibra alternativa a ser adotada, necessariamente precisa ser submetida "à avaliação científica pela autoridade competente" e definida como inofensiva ou menos perigosa. Até hoje as fibras alternativas não se mostraram mais confiáveis do que o amianto crisotila.

Por fim, cabe ressaltar que não há registro, no mundo inteiro, de pessoa contrair doença por usar produtos de fibrocimento com amianto, inclusive caixas d'água. E a despeito do que erradamente se apregoa, o amianto crisotila é um produto natural, presente em dois terços da crosta terrestre, nos leitos dos rios, riachos, lençóis freáticos e até no ar que respiramos. Por esta razão, é imprescindível separar o joio do trigo e tratar a questão da forma racional como se deve.

MARINA JÚLIA DE AQUINO é presidente do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC)

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