Folha de S. Paulo


Helena Orenstein e Eduardo Andrade: São Paulo, cidade (a ser) aberta

São Paulo não pode mais se fechar em condomínios durante a semana e passar os finais de semana trancada em shopping centers. Ao abandonarmos a rua e aumentarmos os muros, transformamos nossos espaços públicos em ambientes vazios, entediantes e perigosos.

A ilusão de que se blindar entre muros é a única solução para o problema de segurança de São Paulo desperdiça a principal vantagem da vida urbana, além de aumentar a insegurança da cidade: a possibilidade de pessoas diferentes conviverem num mesmo espaço.

Grande parte dos lançamentos imobiliários de São Paulo nos últimos anos se enquadra no modelo de condomínio-clube, uma adaptação da "edge-city" do subúrbio norte-americano transposta para o centro da cidade.

Esse tipo de empreendimento não se relaciona com seu entorno, não prevê o pequeno comércio de bairro e, portanto, exige que seu morador use o carro para tudo. De um lado, esvazia a cidade de pessoas; do outro, enche a rua de carros. Detroit, desenhada com esse princípio, acabou de falir, e cidades vibrantes como San Francisco e Boston têm se esforçado para evitar esse tipo de desenho urbano.

Enquanto a classe média fica no trânsito, quem usa transporte público em São Paulo está espremido em trens e ônibus atrasados e desconfortáveis. É preciso melhorar rapidamente a qualidade do transporte público em São Paulo. E é preciso, também –o que não é menos urgente, apesar de exigir mais tempo– aproximar as pessoas do trabalho e dos serviços que usam diariamente: escola, praças, parques, supermercados etc..

O ideal não é que as pessoas gastem menos tempo no trem, no metrô ou no ônibus, mas sim que precisem menos deles. E que, quando precisarem, contem com transportes seguros, confortáveis e com rápido acesso desde suas casas. É inviável a vida civilizada numa cidade em que as pessoas se sentem cansadas só de pensarem em se locomover.

Os momentos mais agradáveis da vida urbana acontecem em espaços públicos: na calçada, em praças e parques. E talvez sejam também os momentos mais importantes, pois é aí que pessoas diferentes se conhecem e conversam, num convívio que estimula a tolerância e o aprendizado. Como quando um jovem aprende a jogar xadrez com um senhor e o ensina a brincar no iPad. A vida fica mais interessante e divertida.

São Paulo é uma coleção infinita de pessoas de todos os tipos, e a interação entre elas –entre nós– não pode ser inibida por soluções urbanas que, ao buscar segurança, fazem a cidade mais insegura e difícil. O projeto de lei de revisão do Plano Diretor Estratégico, em apreciação na Câmara Municipal, traz boas iniciativas para melhorar nosso espaço urbano: estimula a relação entre os edifícios e as calçadas, o uso comercial e residencial num mesmo lugar e o adensamento em áreas com fácil acesso ao transporte público. É um passo importante. Precisamos de muitos outros.

Alguém já disse que quanto mais altos os muros, mais incivilizada é a cidade. Em São Paulo, precisamos nos lembrar disso sempre e trabalhar para que os nossos muros se abram: fazer da cidade um lugar mais agradável, mais bonito –mais, enfim, urbano.

HELENA ORENSTEIN DE ALMEIDA, 62, economista, é conselheira do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP-Brasil)
EDUARDO ANDRADE DE CARVALHO, 33, é sócio da incorporadora Moby


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