Folha de S. Paulo


Editorial: Corrupção à francesa

Ainda que sejam investigações em curso e nada esteja provado de forma definitiva, torna-se mais robusta, a cada novo documento que se acumula a respeito do tema, a hipótese de que o governo de São Paulo tenha mantido uma relação promíscua com a Alstom.

São, afinal, dois casos conhecidos envolvendo essa companhia francesa e o PSDB, que está no comando do Estado desde 1995.

O episódio mais recente, revelado por esta Folha, tem sua origem em negócio da Alstom com a Empresa Paulista de Transmissão de Energia (EPTE) no primeiro mandato do governador Mário Covas, em 1998.

Não confundir com o outro escândalo associado à Alstom, uma das investigadas por suposta formação de cartel para fraudar licitações de trens do Metrô e da CPTM, de 1998 a 2008, nos governos tucanos de Covas, José Serra e Geraldo Alckmin. Este caso, apoiado em denúncia da alemã Siemens, já deu origem a um processo na Justiça.

No que respeita ao setor elétrico, a Alstom pretendia que um aditivo a contrato anterior, de 1983, lhe garantisse a responsabilidade de fornecer equipamentos à EPTE, com o que faturaria R$ 52 milhões (em valores da época).

A fim de evitar uma licitação, a companhia francesa teria distribuído propinas de 15%, metade por intermédio de um lobista brasileiro e outra metade com depósitos em contas secretas na Suíça.

O alegado suborno passou a ser investigado no Brasil só em 2008. Já estava, porém, sob a lupa de autoridades na Suíça e na França.

Foi deste segundo país, aliás, que veio a mais forte evidência de corrupção: um depoimento sigiloso à Justiça francesa do ex-diretor comercial da multinacional, o engenheiro André Botto. Pela primeira vez, um executivo da Alstom reconheceu que houve suborno (o que a empresa segue negando).

Como no episódio dos trens, o governador Geraldo Alckmin fez a peroração de praxe sobre o compromisso do Estado com a apuração completa dos indícios de irregularidades. As ações do governo tucano, contudo, fazem temer que seu real interesse, diante da averiguação, seja arrastar os pés.

Primeiro, a Procuradoria Geral do Estado deixou de relacionar todas as empresas suspeitas de participar do cartel numa petição à Justiça, arrolando só a Siemens, omissão depois corrigida por exigência da juíza. Em seguida, deixou de cumprir determinação judicial para que informasse o prejuízo causado, alegando falta de elementos para tanto.

A Procuradoria pode ter seus argumentos jurídicos para assim proceder, mas a população do Estado ainda aguarda uma demonstração inequívoca de que ela e o governador se guiam mais pelo interesse público do que por razões partidárias.


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