Folha de S. Paulo


Fernando Gajardoni, Luiz Dellore, Zulmar Jr e André Roque: A penhora on-line e o novo CPC

Com surpresa recebemos a notícia de que um dos destaques apresentados ao projeto de Novo Código de Processo Civil (CPC), em fase final de tramitação na Câmara dos Deputados, visa a restringir o uso da penhora on-line (emenda no 614), limitando-a aos casos em que não exista mais qualquer recurso no tocante à decisão que está sendo executada.

Acaso acolhida a emenda, teremos um verdadeiro retrocesso no processo de execução brasileiro, pois a penhora on-line sem reservas - incorporada formalmente ao ordenamento há mais de sete anos - mostra resultados exitosos.

O tema não é bizantino. Boa parte da efetividade do processo de execução como se encontra atualmente - longe de ser a desejável - deve-se à penhora on-line. Podemos dizer, sem medo de errar, que o bloqueio de ativos financeiros, de veículos e até de imóveis por meios eletrônicos está sendo vítima do próprio sucesso.

Com o devido e merecido respeito, a única explicação para essa pretensa limitação na aplicação da penhora on-line é o ranço ainda presente na análise da figura do devedor. A desmedida proteção jurídica ao devedor no país é mais um desdobramento do famigerado jeitinho brasileiro, pois o inadimplemento deixa de representar o que verdadeiramente é - uma falta -, para ser considerado um grau na escala da esperteza.

Ao que parece, o Zé Carioca é o devedor brasileiro no imaginário coletivo, personagem que sempre dá um jeitinho para frustrar suas obrigações, sem que isso seja considerado uma deselegância ou impostura. É o devo, não nego, pago quando puder.

O projeto do novo CPC, não satisfeito em não trazer qualquer mudança substancial para o processo de execução, com a restrição à penhora on-line, poderá alterar o famoso ditado para algo ainda mais pernicioso:devo, não pago, nego enquanto puder.

Ninguém propugna um sacrifício do devedor, pois há também os devedores desafortunados, muitas vezes envergonhados pelo descompasso financeiro, cujo não pagamento decorre de circunstâncias absolutamente alheias à própria vontade destes. Exatamente por isso existe o processo de execução, instrumento de proteção do devedor quanto à eventual sanha do credor e arbítrio do Poder Público, evitando uma sujeição sem limites do primeiro.

Ainda que assim o seja, o processo de execução não pode ficar manco para jamais alcançar o devedor. Tampouco o Poder Judiciário pode ser manietado. Nos dias que correm, em que tudo está em linha, na internet, limitar a penhora on-line é impedir que o credor satisfaça seu crédito de modo rápido, eficaz e seguro.

Cabe destacar, por outro lado, que há um destaque apesentado ao projeto do novo CPC, que busca permitir a penhorabilidade de parte do salário do devedor. Em tempos em que se admite a constrição voluntária de parte do salário (via o chamado crédito consignado), é um contrassenso isso não poder ser feito pelo Judiciário. Essa sim seria uma alteração que traria maior efetividade ao processo.

Sinceramente, esperamos que com o recesso de fim de ano, tempo de reflexão, o bom senso volte a imperar e se impeça o retrocesso que a limitação da penhora on-line trará ao país.

FERNANDO DA FONSECA GAJARDONI, 38, é professor doutor de direito processual civil da Faculdade de direito de Ribeirão Preto da USP e juiz de direito/SP. LUIZ DELLORE, 35, é professor doutor de direito processual civil do Mackenzie/SP e advogado/SP. ZULMAR DUART JR., 34, é advogado/SC. ANDRÉ V. ROQUE, 31, é doutorando e mestre em direito processual pela UERJ e advogado/RJ

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