Folha de S. Paulo


Editorial: Meta penal

De pouco adianta a legislação estabelecer penas severas para determinados crimes se, na prática, a punição quase nunca for aplicada.

A célebre lição do criminalista italiano Cesare Beccaria data do século 18, mas resume grave problema que ainda hoje se verifica na Justiça criminal do Brasil.

Na hierarquia do Código Penal brasileiro, a pena mais rigorosa, de 30 anos de cadeia, é com razão reservada aos homicídios --ou seja, nenhum bem jurídico mereceu, por parte do legislador, proteção maior do que a dedicada à vida.

Estima-se, contudo, que menos de 10% dos assassinatos sejam resolvidos e tenham seus autores presos. Nos demais casos, a impunidade apresenta-se em diferentes momentos do caminho que deveria levar à prisão dos culpados.

Muitas investigações decerto resultam infrutíferas, mas o Judiciário, com sua conhecida lentidão, também contribui para um quadro que estimula a violência.

Há boas razões, portanto, para o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e o Ministério da Justiça buscarem agilizar o julgamento de ações criminais de homicídios.

Em setembro, decidiram que as Justiças estaduais deveriam julgar, até outubro de 2014, os processos dessa natureza iniciados há pelo menos quatro anos e que ainda não tenham sido julgados.

Já foram identificadas nada menos que 63 mil ações nessa categoria. A cifra é espantosa --não pelo impacto que sua resolução teria no gargalo do Judiciário (o estoque total da Justiça é de 64 milhões de processos), mas pelo que significa em termos de injustiça.

A cada uma delas corresponde pelo menos um assassinato cometido antes de dezembro de 2009 e que até hoje permanece impune.

Daí por que é bem-vinda a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça de disponibilizar em seu site um "processômetro", ferramenta que torna públicos os dados sobre julgamentos desses processos criminais.

Pela mesma razão, o instrumento do CNJ provoca desalento: apenas 3.855 --6,1% do total-- daquelas ações foram julgadas até agora. Nesse ritmo pífio, soa implausível que o objetivo possa ser atingido.

Apenas dois Estados já julgaram mais de 25% desses processos antigos, mas, neles, o baixo número de casos explica o desempenho: Acre tem 32 ações, e Amapá, 16.

Em São Paulo, o índice está abaixo de 10%: de 1.757 ações, somente 166 foram julgadas. Na Bahia, Estado com maior estoque de processos (9.804), apenas 78 casos foram julgados --o equivalente a meros 0,8% do total.

É grave a situação de uma Justiça que demonstra tamanha ineficiência em tarefa que merece tratamento prioritário.


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