Folha de S. Paulo


Editorial: Sob o signo de Mandela

Registrado por fotógrafos e cinegrafistas, o aperto de mão entre o presidente Barack Obama e o ditador cubano Raúl Castro transformou-se no fato simbólico da cerimônia internacional em homenagem a Nelson Mandela, realizada anteontem, em Johannesburgo.

Não poderia ser diferente. Estados Unidos e Cuba mantêm viva uma animosidade que data da Guerra Fria. Desde o início da década de 1960, o governo norte-americano impõe um embargo comercial e financeiro à ilha, que se tornou comunista após a tomada do poder, em 1959, pelo movimento liderado por Fidel Castro.

O gesto de Obama não foi inédito. Outros presidentes norte-americanos se encontraram com dirigentes hostis aos EUA sem que daí resultasse inflexão na relação entre os países. Figura na galeria de registros históricos, por exemplo, imagens de Harry Truman saudando o ditador soviético Josef Stálin; e Bill Clinton, há mais de dez anos, cumprimentou Fidel.

Segundo funcionários do governo americano, o encontro de Obama com Raúl foi apenas casual. Ainda assim, o aperto de mãos entre líderes de nações adversárias desperta curiosidade e estimula inevitáveis especulações.

A aproximação recente entre EUA e Irã contribui para essa tendência. Mas é o próprio anacronismo do embargo que fomenta as maiores conjecturas sobre seu fim.

Segundo lei aprovada pelo Congresso americano em 1993, o bloqueio ao regime cubano deverá se perpetuar até que sejam promovidas reformas democráticas na ilha. Hoje, contudo, as restrições mais retardam do que aceleram esse processo.

Os sinais de esgotamento do ciclo castrista, de resto, são enfáticos. Com a extinção do bloco soviético, a ilha perdeu sua importância geopolítica e mergulhou em penosa crise econômica. Cada vez mais contestada interna e externamente, a ditadura vê-se obrigada a fazer seguidas concessões.

Manter o embargo apenas pune a população cubana e fornece um mote propagandístico ao antiamericanismo dos atuais dirigentes.

A presença dos EUA num processo de reconstrução econômica teria efeitos mais produtivos. Um gesto de reconciliação por parte do governo americano enfrentaria obstáculos internos, mas estes também parecem menores diante das perspectivas que se abririam.

Todos ganhariam se o aperto de mãos entre Obama e Castro, sob o signo de Nelson Mandela, representasse verdadeiro primeiro passo no caminho da normalização das relações entre os dois países.


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