Folha de S. Paulo


Editorial: Reformar o FGTS

A Caixa Econômica Federal e a Comissão de Valores Mobiliários chegaram a um acordo que permitirá ao trabalhador investir até 30% do saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) em um fundo de infraestrutura.

A aplicação, de inspiração semelhante à já permitida em ações da Petrobras e da Vale em 2000 e 2002, propiciará dois avanços: maior liberdade de escolha e chance de rendimento melhor.

É preciso, no entanto, pensar em reformas mais amplas.

Criado em 1966 como alternativa à estabilidade decenal --instituto que tornava o trabalhador estável após dez anos de empresa-- e reformulado em 1990, o fundo hoje acumula depósitos obrigatórios feitos pelos empregadores. O saldo é mantido em contas individuais de cada empregado, com regras restritivas de resgate.

Trata-se de um dos mecanismos de poupança forçada criados ao longo de décadas, a fim de suprir a falta de recursos privados para investimentos de longo prazo.

Seus ativos, cerca de R$ 300 bilhões, são destinados por lei ao financiamento de habitação popular, saneamento e infraestrutura. As necessárias mudanças no FGTS não podem desconsiderar as enormes carências desses setores.

Dito isso, é preciso melhorar o funcionamento do fundo em várias frentes. Modificações deveriam abranger sobretudo correção dos saldos e direito de escolha do trabalhador --para nada falar da gestão feita por um conselho curador de inspiração classista, dificilmente o desenho mais adequado para assegurar o melhor interesse público e o dos cotistas.

A correção é vergonhosa. Com taxa referencial (hoje próxima de zero) mais juros de 3% ao ano, o dinheiro do trabalhador perde da inflação e rende bem menos que uma aplicação comum. Ao menos para os novos aportes no fundo, esse percentual deveria se aproximar dos parâmetros de mercado.

Verdade que, com isso, o financiamento para os setores atendidos pelo FGTS precisaria ser mais custoso. Por outro lado, o próprio saldo do fundo cresceria depressa, permitindo destinar mais recursos a projetos de interesse nacional.

Por fim, deveria haver mais liberdade de escolha para os investimentos. Hoje o dinheiro é administrado pela Caixa Econômica Federal e aplicado segundo diretrizes formuladas pelo conselho curador. As exceções, até o momento, foram os aportes em ações da Petrobras e da Vale.

O ideal seria abrir concorrência para que um grande número de instituições, e não apenas a Caixa, oferecesse produtos, que seriam padronizados e monitorados --de forma a preservar o importante papel que os recursos do FGTS desempenham na economia.

No fim, haveria um sistema mais justo e democrático, com maior respeito pelo dinheiro que, vale lembrar, é do trabalhador.


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