Folha de S. Paulo


Editorial: Contato imediato

Não aconteceu o esperado aperto de mão entre Hasan Rowhani e Barack Obama, durante a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, mas ambos os presidentes parecem dispostos a fazer avançar a reaproximação entre Irã e EUA.

Se havia dúvidas quanto a isso, elas se dissiparam com o histórico telefonema de Obama a Rowhani. A conversa, rápida e superficial, foi o primeiro contato direto entre presidentes dos dois países desde a instauração da teocracia xiita em Teerã, há 34 anos.

Os chanceleres Mohamad Javad Zarif e John Kerry também protagonizaram momento inédito ao se reunirem a sós, às margens de uma reunião sobre o programa nuclear iraniano --a busca da bomba atômica por Teerã é o principal motivo das tensões entre os dois países.

À diplomacia direta somam-se gestos diversos. Teerã libertou presos políticos e tem repetido que não só reconhece o Holocausto como também o condena. Rowhani deixa claro, com isso, que quer se distanciar do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013).

Já os americanos devolveram ao Irã uma vasilha persa de 2.700 anos, pega com contrabandistas em 2003. Obama também disse com todas as letras o que Teerã sempre quis ouvir: os EUA não pretendem derrubar o regime atual.

A confiança entre os países, porém, não será resgatada apenas no campo simbólico, e atitudes práticas demandam cota maior de sacrifício. O Irã precisaria diminuir drasticamente o grau de pureza de seu enriquecimento de urânio, deixando o processo mais distante da fabricação de uma bomba, e se desfazer do estoque já enriquecido. Além disso, deveria aceitar inspeções mais rigorosas da ONU.

EUA e aliados têm de responder à altura. Sanções econômicas deveriam ser aliviadas a fim de que o Irã possa, por exemplo, se reintegrar ao circuito financeiro global. Um acordo também exige que potências ocidentais reconheçam o direito iraniano de fazer uso civil de seu programa nuclear.

São muitas as pressões contrárias a um acordo. Basta dizer que Rowhani, ao voltar de Nova York, foi recebido em Teerã com ovos e sapatos arremessados por militantes furiosos com a abertura. Mais relevante, é pouco provável que a elite iraniana de fato aceite privar o país de ter uma bomba atômica ao alcance da mão, se necessário.

Obama tem de lidar com a insatisfação de Israel --maior aliado dos EUA na região e principal adversário do Irã-- e um Congresso refratário à aproximação.

Ainda assim, trata-se do cenário mais auspicioso desde 1979. De um lado, o Irã sofre cada vez mais com as sanções, e Rowhani aceita negociar para superar a adversidade econômica. De outro, um Obama debilitado em casa busca, na arena internacional, o legado de seus mandatos. Seria difícil esperar peças mais bem posicionadas nesse complexo tabuleiro.


Endereço da página: