Folha de S. Paulo


Editorial: O tabu do suicídio

Ainda é forte o tabu em torno do suicídio. Trata-se de tema do qual pouco se fala. Não raro familiares tentam, e muitas vezes conseguem, obter a omissão da causa no atestado de óbito.
Uma das consequências desse pacto tácito de silêncio é a baixa difusão de uma informação relevante: o suicídio é um problema significativo de saúde pública.

Em 2011, por exemplo, de acordo com o Datasus, 9.852 brasileiros se mataram. Considerando-se o fenômeno da subnotificação, o número real tende a ser ainda maior. Mesmo subestimada, a cifra representa pouco menos do que o total de óbitos decorrentes de quedas (10.788) e bem mais do que o provocado por afogamentos (5.450) e incêndios (1.051) --casos que costumam despertar comoção.

Em termos proporcionais, ocorrem 4,9 suicídios por 100 mil habitantes, taxa que tem crescido ao longo dos anos. Pode não parecer tanto, se comparada a homicídios (27,1 por 100 mil) ou acidentes automobilísticos (20,2 por 100 mil). Nesse quesito, porém, é o Brasil que destoa das tendências globais.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, as taxas de suicídio ficam, em geral, entre 10 e 30 por 100 mil, chegando a passar de 40 em alguns casos --Rússia e Lituânia, por exemplo.
É, assim, uma das principais causas de morte do planeta. No ano 2000, 815 mil pessoas tiraram a própria vida. Isso representa mais do que o total de assassinatos (520 mil) ou de mortos em guerras (310 mil) no mesmo ano.

O que torna os suicídios tema de especial interesse para a saúde pública é o fato de serem em princípio evitáveis. Com efeito, a maioria dos casos --cerca de 90% deles, segundo vários estudos-- está associada a transtornos mentais tratáveis, sobretudo estados depressivos e dependências químicas.

Mais interessante ainda, o melhor fator preditivo de um suicídio é a tentativa prévia. De cada quatro pessoas que procuram tirar a própria vida, uma repetirá a dose no ano seguinte. De cada dez que tentam, uma terá sucesso.

Um sistema de saúde bem preparado, que identifique rapidamente os pacientes com potencial suicida e os encaminhe para tratamento psiquiátrico, conseguiria evitar muitas dessas mortes.

No papel, existe desde 2006 um programa desse tipo, consubstanciado nas Diretrizes Nacionais para a Prevenção do Suicídio. Na prática, entretanto, os resultados são pífios. Apesar de repetidas promessas governamentais, o atendimento psiquiátrico continua sendo um dos grandes gargalos do SUS.


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