Folha de S. Paulo


Eduardo de Carvalho Andrade: Oportunidade desperdiçada?

O governo decidiu manter para 2015 a meta de inflação de 4,5% com um intervalo de 2 pp (pontos percentuais) para cima ou para baixo, que vigora desde 2006. Mas ele poderia ter aproveitado essa oportunidade para realizar ajustes graduais de forma a recuperar sua credibilidade e ancorar as expectativas futuras de inflação.

O governo luta para evitar que a inflação ultrapasse o limite superior de 6,5% do regime de meta de inflação. A oposição utiliza o surto inflacionário para enfraquecer politicamente a presidenta. O fato é que a credibilidade do governo para enfrentar a subida dos preços está abalada e ele deveria implementar mudanças no atual regime de metas para tentar recuperá-la.

A primeira mudança seria reduzir o intervalo da meta de inflação, de 2 pp para 1 pp. Dessa forma, mantido o centro da meta de 4,5%, a inflação em 2015 deveria ficar entre 3,5% e 5,5%.

No passado, o argumento para defender a utilização de intervalos tão elásticos estava no fato de o Brasil ser um país em desenvolvimento e, portanto, estar sujeito a choques externos fora do seu controle. Nesse sentido, seria importante permitir maior flexibilidade.

Esse argumento hoje é pouco convincente. Todos os outros cincos países da América Latina que utilizam o regime de metas de inflação utilizam um intervalo de somente 1 pp para cima ou para baixo. Isso inclui países com um grau de abertura comercial maior que o Brasil, como o Chile e o México. Nenhum país desenvolvido que utiliza o regime de metas de inflação tem um intervalo superior a 1 pp.

Outra justificativa para a mudança é que o Brasil já opera com um intervalo menor. Na prática, o centro da meta não é 4,5% e o governo tenta impedir que a inflação ultrapasse o limite máximo de 6,5%. O objetivo parece ser uma inflação em torno de 5,5% com uma banda de 1 pp para cima ou para baixo.

Manter o centro da meta de 4,5% e reduzir o intervalo já seria sinalizar uma menor leniência e contribuiria para diminuir a expectativa de inflação para 2015, facilitando o trabalho do governo.

A segunda mudança seria inovar e antecipar as metas para todos os anos do próximo governo, mantendo os 4,5% em 2015 e terminando com 3% em 2018. Ou seja, com uma redução de 0,5 pp em cada ano, com o intervalo de 1 pp para cima ou para baixo. É uma estratégia gradual, que consolida o regime de metas e o coloca mais próximo ao utilizado pelos demais países que o adotam.

Assim, o Brasil passaria a ter o mesmo regime atualmente usado por seus vizinhos Chile, México e Colômbia que, a propósito, reduziu a sua meta mesmo depois da crise de 2008. Além disso, se aproximaria dos países desenvolvidos, que utilizam um centro da meta de 2%.

Como valem para depois de 2014, as mudanças afetariam o espaço de manobra da política econômica do futuro presidente. As combinações possíveis de políticas monetária e fiscal são diferentes com uma meta de inflação menor.

Carvall

A presidenta Dilma poderia adotar uma posição de estadista e convidar os principais partidos de oposição a se comprometerem com essas mudanças, aos moldes do que Fernando Henrique Cardoso fez quando assinou o acordo com o FMI em 2002. Ao propor essas medidas e contar com o aval da oposição, a atual presidenta tiraria a pecha de ser leniente com a inflação.

Como os ajustes propostos são graduais, eles não exigiriam políticas monetárias extremamente ortodoxas. Levar a inflação para 4,5% em 2015 não é uma tarefa muito demandante e não foge do tom do atual discurso do Banco Central. O mais importante, no entanto, é que o ganho de credibilidade com essas mudanças tornaria mais fácil e menos penoso qualquer ajuste para reduzir a inflação.

Não é de todo impossível que, como resultado desse ganho de credibilidade, a taxa de juros necessária para trazer a inflação gradualmente para 3% em 2018 seja menor do que aquela necessária para mantê-la ao redor de 4,5% sem o proposto choque de credibilidade.

Caso o governo não queira, cabe à oposição assumir a liderança e propor as mudanças.

EDUARDO DE CARVALHO ANDRADE, 46, doutor em economia pela Universidade de Chicago, é professor do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa

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