Folha de S. Paulo


Editorial: O Irã se move

A vitória inesperada do clérigo centrista Hassan Rowhani na eleição presidencial iraniana representa o primeiro sinal encorajador dos últimos anos na relação entre Teerã e as potências ocidentais.

Apoiado por setores de oposição, Rowhani derrotou cinco conservadores apoiados pelo regime logo no primeiro turno. Bastou-lhe uma plataforma óbvia: o Irã precisa melhorar sua imagem externa para aliviar sanções ao programa nuclear que prejudicam as condições de vida da população.

A base política de Rowhani vai além da classe média liberal. Inclui parcelas expressivas da população mais pobre, exaurida pela crise.

Ao longo da campanha, o clérigo martelou que sua experiência diplomática, acumulada nos anos em que chefiava delegações iranianas nas conversas atômicas, lhe dava as melhores credenciais para diluir a tensão na política externa.

Nas capitais europeias, Rowhani é lembrado como o negociador que chegou a suspender o programa nuclear. Ao contrário do conservador Mahmoud Ahmadinejad, age com serenidade e fala inglês.

É preciso cuidado com o otimismo, porém. No sistema teocrático em vigor desde a revolução de 1979, decisões estratégicas são prerrogativa do líder supremo, aiatolá Ali Khamenei. Não haverá mudança substancial nas conversas nucleares sem sua anuência.

Rowhani se diz disposto a dialogar com os EUA e promete maior transparência nas atividades atômicas, mas considera inalienável o direito de enriquecer urânio para fins pacíficos. Também manterá a hostilidade a Israel, cravada no centro da política iraniana, assim como o apoio ao regime sírio.

Rowhani ocupou altos cargos no aparato de segurança. Na condição de "hojatoleslam", nível abaixo ao de aiatolá na hierarquia xiita, relaciona-se bem com clérigos radicais e a Guarda Revolucionária, força militar que sustenta o regime.

O mesmo ceticismo se aplica ao plano doméstico.

Rowhani preconizou mais liberdade política e moral. Milhões o elegeram na esperança de corrigir a injustiça de 2009, quando o governo esmagou protestos contra a reeleição de Ahmadinejad, diante dos indícios de fraude. É muito improvável que o regime tolere mudança significativa nesse campo.

O primeiro desafio de Rowhani será conter as expectativas que sua eleição criou, dentro e fora do país.


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