Folha de S. Paulo


Editorial: Duras penas

Um projeto de lei sobre drogas do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) foi aprovado nesta semana pela Câmara dos Deputados. Como qualquer proposta para solucionar o problema do tráfico e da dependência química, esta também suscita farta controvérsia.

A polêmica nasce não só do choque entre diferentes visões de mundo, mas também do fato de que duas discussões se confundem sob a mesma rubrica. Há o aspecto da saúde pública (que envolve o tratamento do dependente) e a questão da violência (que abarca o combate ao crime organizado).

Com seu histórico de ineficácia estatal nessas duas vertentes, o Brasil tem urgência de propostas novas para a questão.

A urgência, entretanto, também convida ao simplismo e à demagogia. Iam sem dúvida nessa direção alguns pontos do novo projeto, que terminaram aperfeiçoados.

Facultava-se a agentes de segurança pública, por exemplo, determinar a internação involuntária dos dependentes. Condiciona-se agora a medida, admissível só em casos extremos, a autorização familiar e recomendação médica.

Em claro aceno a instituições religiosas engajadas na luta contra a dependência, o projeto admitia que instituições sem qualificação médica pudessem receber os involuntariamente internados. Outra medida propunha a criação de um cadastro geral de viciados.

Mesmo sem esses componentes mais autoritários, o texto aprovado pela Câmara --e que agora será examinado pelo Senado-- ainda veicula concepções discutíveis.

A falha maior do projeto consiste em aumentar de modo drástico, de cinco para oito anos, a pena mínima para líderes do tráfico organizado --em evidente desproporção com o previsto para outros crimes. O homicídio, por exemplo, tem pena mínima de seis anos. Além disso, faltou clareza quanto aos limites que caracterizam a posse de drogas para consumo individual.

Essa imprecisão já hoje favorece o arbítrio de policiais e juízes. Jovens flagrados com pequenas quantidades de maconha são por vezes tratados como traficantes; não se exclui, agora, que venham a ser enquadrados como chefes. E, pela nova lei, o mínimo de oito anos implica prisão imediata, sem o recurso da pena alternativa.

O projeto vai contra a corrente internacional, que aponta o fracasso de estratégias apenas repressivas contra as drogas. Discute-se até sua liberação, com regulamentação e assistência médica. Não se espera que o Senado chegue a tanto, mas que ao menos corrija as distorções ao revisar a matéria.


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